20/05/2025 - 11:24
“Antes de vir para a Alemanha, eu não sabia que seria tão difícil. Eu simplesmente não sabia. Sabe como é, somos homens e não estamos acostumados a criar filhos”, disse Mohammed. Ele fugiu da guerra civil na Síria em 2014 com sua esposa, duas filhas e dois filhos para o Curdistão iraquiano.
A vida era tão difícil para a família no lugar que sua esposa, duas filhas e um filho voltaram para a Síria. Mohammed – que não quis revelar seu sobrenome verdadeiro – tomou a decisão de fazer a perigosa jornada até a Alemanha, passando pela Líbia e atravessando o Mediterrâneo até a Itália, junto com seu filho de 9 anos, que sofre de atrofia cerebral, na esperança de receber tratamento médico e um dia se reunir com o restante da família na Alemanha.
Mas, dois anos e meio depois de chegar ao país, Mohammed ainda vive sozinho com seu filho portador de deficiência e não tem ideia de quando, ou se, sua esposa e duas filhas poderão se juntar a ele. Seu segundo filho morreu após retornar à Síria, uma perda que se tornou ainda mais dolorosa devido à separação.
Depois de ele ter ficado hospedado em acomodações compartilhadas nos centros de refugiados, um amigo acabou oferecendo a Mohammed um lugar no que ele descreve como uma casa em ruínas. Ele diz que eles lutam para sobreviver com o dinheiro que recebe do governo.
Mohammed recebeu o status de “proteção subsidiária” das autoridades alemãs. A classificação é para aqueles que não atendem aos critérios específicos para obter o status de “refugiado” de acordo com a Convenção de Genebra, mas que enfrentam risco de danos graves em seu país de origem, incluindo pena de morte, tortura, tratamento desumano ou degradante ou violência indiscriminada no contexto de um conflito armado.
Atualmente, há cerca de 351.400 indivíduos com status de proteção subsidiária vivendo na Alemanha, a maioria da Síria. Eles recebem uma autorização de residência, que inicialmente era de um ano, mas em 2024 esse período inicial foi estendido para três anos. Têm permissão para viver e trabalhar na Alemanha e receber benefícios sociais.
Mas, segundo a legislação da UE, enquanto os solicitantes de refúgio e os refugiados reconhecidos têm o direito à reunificação com cônjuges e filhos menores de 18 anos, isso não vale para aqueles com status de proteção subsidiária. Compete a cada país do bloco decidir sobre esses casos. Desde agosto de 2018, a regra aplicada na Alemanha prevê a emissão de um máximo de mil vistos por mês para parentes de beneficiários de proteção subsidiária.
Agora, o novo governo de coalizão dos conservadores da União Democrata Cristã (CDU) e o Partido Social-Democrata (SPD) planejam suspender a reunificação familiar para aqueles com status de proteção subsidiária pelos próximos dois anos, pelo menos.
O ministro alemão do Interior, Alexander Dobrindt, disse ao Parlamento alemão na sexta-feira que os cidadãos “esperam uma mudança de política” em relação à imigração e que isso inclui o fim da reunificação familiar em determinados casos. “A capacidade de integração do país simplesmente atingiu um ponto de ruptura”, afirmou Dobrindt, acrescentando que as cidades e municípios de todo o país atingiram o limite.
Proteção subsidiária no centro do debate
A questão da reunificação familiar para pessoas com status de proteção subsidiária tem sido objeto de grande debate político na Alemanha. Em 2015, o governo liderado pela então chanceler federal Angela Merkel concedeu aos cônjuges, filhos ou pais de beneficiários de proteção subsidiária o direito à reunificação. Mas esse direito foi suspenso em 2016 após apenas um ano.
Desde 2018, as famílias de pessoas que receberam proteção subsidiária podem se reunir. No entanto, o governo alemão limita o número de vistos emitidos a um máximo de mil por mês. Isso causou muita incerteza para gente como Mohammed e sua família na Síria, que precisam enfrentar longas listas de espera, procedimentos burocráticos demorados e um número limitado de vistos.
Ano passado, a Alemanha emitiu cerca de 120 mil vistos para fins de reunificação familiar, de acordo com dados do Ministério das Relações Exteriores. Cerca de 10%, ou aproximadamente 12 mil vistos, foram emitidos para parentes de pessoas com proteção subsidiária na Alemanha.
Famílias separadas pela burocracia
Críticos, como a ONG de direitos humanos Pro Asyl, afirmam que a separação das famílias pode causar uma enorme tensão psicológica nos afetados, o que pode ter consequências para a integração e também para a imigração irregular. Sem nenhuma rota legal para se reunir com filhos, pais ou cônjuges, algumas pessoas correm o risco de usar rotas irregulares, muitas vezes inseguras, para chegar a seus entes queridos na Alemanha.
Juristas afirmam que, mesmo que a Diretiva de Reunificação Familiar da UE não se aplique a pessoas com proteção subsidiária, por ter sido adotada antes da definição do status de proteção subsidiária, os legisladores ainda estão vinculados ao artigo 6° da Lei Fundamental da Alemanha (a Constituição alemã) – segundo o qual “o casamento e a família estão sob a proteção especial da ordem estatal” – e ao direito à vida familiar consagrado na Convenção Europeia de Direitos Humanos.
Entretanto, uma restrição importante foi introduzida pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha e aceita pela Corte Europeia de Direitos Humanos. “Se houver uma alternativa de vida familiar em outro país, especialmente no país de origem, então não há direito automático de reunificação familiar na Alemanha”, ressalta Thomas Gross, especialista em direito alemão e europeu da Universidade de Osnabrück.
O Tribunal Constitucional da Alemanha terá que decidir, em última instância, se o fim da reunificação familiar para pessoas com proteção subsidiária é legalmente permitido, o que provavelmente levará anos, de acordo com Gross. Enquanto isso, famílias como a de Mohammed permanecem separadas indefinidamente por processos legais e burocráticos lentos.
“Não é uma questão de ir à embaixada e, no dia seguinte, pegar um voo para a Alemanha. É um procedimento complicado e muitas vezes demorado”, diz Gross.
Um estudo recente constatou que as embaixadas alemãs levavam de seis meses a mais de dois anos para conceder vistos aos membros da família. “Às vezes, isso envolve testes de DNA, às vezes a embaixada fica longe, em outro país, o que torna praticamente impossível para muitas pessoas”, lamenta Gross.
Mohammed diz que não conseguiu aprender alemão ou trabalhar porque, sem o apoio da esposa ou de outros parentes próximos, ele é efetivamente um cuidador em tempo integral do filho, que precisa de visitas regulares ao hospital. Seu visto de proteção subsidiária é válido por um ano, e a renovação está longe de ser certa depois que um tribunal estadual federal decidiu que um cidadão sírio não se qualifica para o status de proteção subsidiária por ser a Síria considerada um país seguro.
“Deveria haver ajuda do Estado para que minha família venha para cá, pois essa é uma situação humanitária excepcional”, afirma Mohammed. “Quero dizer, como posso suportar isso por mais tempo?”