Anúncio de investimento bilionário do Google na economia de dados do país empolga governo. Mas especialistas alertam para dependência tecnológica, risco à soberania digital e impacto climático.O Google anunciou na terça-feira (11/11) que investirá 5,5 bilhões de euros (R$ 28,9 bilhões) na Alemanha ao longo dos quatro próximos anos. A verba será usada para construir um novo centro de processamento de dados perto de Frankfurt e expandir outros três já existentes na mesma cidade, em Munique e em Berlim.

Autoridades alemãs celebraram a notícia como um fortalecimento das ambições digitais do país. Os centros de processamento de dados (data centers, em inglês) servem para grandes companhias de tecnologia, as big techs , manterem ferramentas de inteligência artificial (IA) .

“Queremos tornar a Alemanha líder em centros de processamento de dados na Europa,” disse o ministro responsável pela digitalização, Karsten Wildberger, à agência Reuters. Já a ministra de Pesquisa e Tecnologia, Dorothee Bär, afirmou que a decisão traria “crescimento e valor agregado” ao país.

O anúncio também empolgou o ministro das Finanças, Lars Klingbeil, que descreveu os planos como um “investimento genuíno no futuro” e parte de uma transformação neutra em carbono. A expectativa do Google é gerar nove mil empregos por ano na Alemanha até 2029.

Especialistas pedem cautela

Mas especialistas também falam em pontos negativos. Katharina Hölzle, diretora do Instituto Fraunhofer em Stuttgart, alerta para novas formas de dependência do capital externo.

“Estamos construindo infraestruturas que vão tornar ainda mais difícil para nós nos desvincularmos no futuro”, argumenta em entrevista à DW. A preocupação com a soberania digital da Alemanha vem crescendo no nicho, inclusive por causa do armazenamento de dados em larga escala.

Para Wolfgang Eppler, pesquisador do Instituto de Avaliação de Tecnologia e Análise de Sistemas (ITAS, na sigla em alemão), em Karlsruhe, o valor anunciado é baixo diante dos gastos nos EUA. “Em comparação ao que os Estados Unidos estão investindo – por exemplo, 500 bilhões de dólares (R$ 2,6 trilhões) –, é uma gota no oceano.”

É crescente o abismo entre a Europa e os Estados Unidos (EUA), onde empresas de tecnologia como Microsoft, Google e startups como a OpenAI estão investindo centenas de bilhões de dólares na expansão da capacidade computacional de IA.

De acordo com a agência de notícias Bloomberg, o projeto do Google na Alemanha deve utilizar até 10 mil unidades de processamento gráfico (GPUs). Um único centro de processamento de dados no Texas, apoiado pela SoftBank, OpenAI e Oracle, tem o uso de 500 mil GPUs planejado.

Aposta na economia de dados

O Google não está sozinho em apostar na economia de dados da Alemanha. Apenas na semana passada, a operadora de telecomunicações alemã Deutsche Telekom e a Nvidia, fabricante americana de chips de IA, anunciaram um projeto conjunto de centro de processamento de dados de 1 bilhão de euros (R$ 5,3 bilhões).

Segundo a associação do setor Bitkom, o investimento total em centros de processamento de dados na Alemanha deve chegar a 12 bilhões de euros (R$ 63,2 bilhões) neste ano.

Em setembro, a empresa francesa Data4 anunciou planos de investir cerca de 2 bilhões de euros (R$ 10,6 bilhões) e lançou a pedra fundamental de sua primeira unidade alemã em Hanau. Enquanto isso, o Innovation Park for Artificial Intelligence (IPAI), em Heilbronn, cidade ao norte de Stuttgart, deve se tornar o maior ecossistema de IA da Europa, com foco em design de chips.

A União Europeia (UE) também está tentando reduzir a lacuna tecnológica. Em fevereiro, o bloco revelou um plano de 200 bilhões de euros (R$ 1 trilhão) para promover o desenvolvimento de IA e triplicar a capacidade da região para esses sistemas até 2032.

A Deutsche Telekom estaria em negociações com várias empresas sobre a construção das chamadas gigafábricas de IA, embora o progresso tenha sido lento e a UE ainda não tenha detalhado como avaliará os projetos ou alocará os recursos.

Um estudo recente da Bitkom apontou ainda que a capacidade total de servidores da Alemanha deve quase dobrar, chegando a 5 gigawatts até 2030.

Neutralidade improvável

Um centro de processamento de dados totalmente neutro em carbono – tal como pregou o ministro das Finanças – ainda é um desafio, afirma Hölzle, do Fraunhofer, que mantém otimismo cauteloso.

“Não sei se chegaremos a zero emissões,” disse ela. “Mas devemos pensar em como, se não estivermos construindo nossos próprios centros de dados, podemos pelo menos desenvolver as tecnologias que serão usadas neles – definitivamente vejo oportunidades para nós nesse campo.”

O Google afirma que suas novas instalações na Alemanha serão construídas com foco na sustentabilidade .

A empresa planeja capturar e reutilizar o calor residual de seu centro de processamento de dados próximo a Frankfurt, encaminhando-o à rede de aquecimento distrital da concessionária regional EVO. Uma vez em operação, o sistema poderia fornecer água quente e aquecimento para mais de 2 mil residências próximas.

Risco à soberania digital da Europa?

Tanto Hölzle quanto Eppler aconselham os políticos alemães a se manterem atentos.

“Não devemos nos tornar dependentes demais [das big techs americanas]”, adverte Eppler, frisando que, no caso do Google, trata-se de uma empresa americana que vai armazenar e processar dados gerados na Alemanha.

Hölzle diz que o que a consola é que “a discussão sobre soberania digital aumentou nos últimos 12 meses”. Ainda assim, ela frisa que é “muito importante que a política alemã preste muita atenção em onde esses dados são armazenados e quem tem acesso a eles”. “Esse é um tema fundamental para proteger a competitividade da indústria alemã”, pontua.