Foi um autêntico tiro pela culatra. Primeiro, o governo permitiu que o Conselho de Controle da Atividades Financeiras, órgão do Ministério da Fazenda, vazasse a informação de que a Coteminas, empresa do vice-presidente José Alencar, teria feito um depósito suspeito, de R$ 1 milhão, em sua conta bancária. Era dinheiro referente à venda de camisetas para o PT na campanha municipal de 2004. Depois, o presidente do partido, Ricardo Berzoini, acusou: ?É caixa dois.? Na seqüência, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, afirmou que o caso teria que ser investigado e a Polícia Federal cogitou pedir a quebra do sigilo bancário e fiscal da Coteminas. Por último, foi a vez do ex-tesoureiro petista, Delúbio Soares, dizer que os recursos vinham do publicitário Marcos Valério. Estava criada a ligação entre a Coteminas, maior empresa têxtil nacional, e o valerioduto. Pois bem: logo se descobriu que a empresa de Alencar emitiu notas fiscais para cada uma das camisetas vendidas ao PT, pagou os impostos e ainda registrou o recebimento do dinheiro que foi levado, numa mala, por uma funcionária do PT. ?Aqui não tem um grama de algodão no caixa dois?, disse Alencar à DINHEIRO (leia sua entrevista abaixo). ?E pena que pagaram menos de 10%?, lamentou o vice. Ficou pendente uma dívida de R$ 12 milhões do PT em relação à Coteminas.

Na prática, a história serviu para manchar ainda mais a imagem do PT, que pode ter um caixa dois maior do que se imaginava. Isso porque os recursos de Valério foram entregues em 2003 e 2004. O pagamento não contabilizado à Coteminas, por sua vez, ocorreu em maio deste ano. Por isso, Delúbio não foi levado a sério quando disse que o dinheiro do valerioduto, emprestado em 2004, ficou sete meses guardado até ser entregue à empresa de Alencar. ?O caso demonstra que o PT pode ter outras fontes de recursos não contabilizados?, diz o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR). ?Além do caixa dois, é possível que exista um caixa três?. O próprio relator da CPMI dos Correios, Osmar Serraglio (PMDB-PR), negou a necessidade de quebra dos sigilos da Coteminas. ?Um pedido de esclarecimentos basta?, disse ele. Essa tese é endossada por juristas. ?Se a empresa vendeu uma mercadoria e comprova que emitiu notas fiscais, quebrar o seu sigilo seria uma violência?, avalia Ives Gandra Martins.

O episódio expôs o abismo entre os métodos do partido do presidente e da empresa de Alencar. Na terça-feira 6, Lula e seu vice se reuniram no Planalto. Alencar se queixou. ?O que a gestão antiga do PT fez foi um absurdo?, disse o vice. Lula disse que não era responsável, mas foi solidário. Um dia depois, o filho de Alencar, Josué Gomes da Silva, que é também presidente da Coteminas, foi espontaneamente à Polícia Federal. Levou um pequeno dossiê com as notas fiscais, as cartas de cobrança e o recibo com assinatura da funcionária do PT. ?Era caixa dois para eles?, disse Josué. ?Para nós é caixa um, porque só temos caixa um?. E quanto aos R$ 12 milhões pendentes? ?Eles terão que pagar?, diz Alencar. ?E o quanto antes?.

?Nunca vendemos um grama de algodão por fora?

Aborrecido com o episódio que envolveu a Coteminas com o caixa dois do PT, o vice José Alencar falou à DINHEIRO na quarta-feira 7. ?Somos gente séria; temos mulher, filhos, netos, milhares de funcionários, clientes internacionais e nunca vendemos nada sem nota?, disse ele. Leia a seguir os principais trechos da entrevista, em que ele voltou a bater na política de juros.

DINHEIRO ? Como o sr. encara a denúncia que ligou a Coteminas ao caixa dois do PT?
JOSÉ ALENCAR ?
É lamentável. Hoje eu estou fora da empresa, mas fui fundador da Coteminas. Posso garantir que, em toda a nossa história, nunca houve um grama de algodão vendido por fora. É tudo por dentro. E nesse caso do PT nós vendemos as camisetas, cobramos, recebemos menos de 10% da dívida, emitimos as notas e pagamos os impostos. E ainda demos recibo. Você sabe para quê?

DINHEIRO ? Não.
ALENCAR ?
Para que eles lançassem na contabilidade deles. Se eles não fizeram isso, que culpa temos nós?

DINHEIRO ? O pagamento feito em cash não o surpreendeu?
ALENCAR ?
Isso aconteceu em maio deste ano, muito antes desses escândalos e dessa história de valerioduto. Por que a Coteminas iria duvidar do PT?

DINHEIRO ? A Polícia Federal cogitou quebrar os sigilos da Coteminas. Como o sr. encara isso?
ALENCAR ?
Não sou contra nenhuma investigação, até porque penso que o Brasil tem que ser passado a limpo. Mas no caso concreto da Coteminas, o Josué, meu filho, já foi hoje espontaneamente à Polícia Federal e levou o dossiê. Lá estão todas as notas fiscais. A empresa é transparente.

DINHEIRO ? Os jornais de hoje dão como manchete: ?Dinheiro do valerioduto para a empresa do vice?.
ALENCAR ?
É lamentável e isso causa um aborrecimento tremendo. Nós somos gente séria. Temos mulher, filhos, netos, milhares de funcionários, clientes internacionais e nunca vendemos nada sem nota. Tentaram nos ligar a essa coisa horrível de caixa dois e de valerioduto, mas isso passa.

DINHEIRO ? Foi fogo amigo?
ALENCAR ?
Tudo nasceu num órgão chamado Conselho de Controle de Atividades Financeiras, que tem mesmo a obrigação de detectar um depósito atípico e repassar a informação ao Ministério da Fazenda.

DINHEIRO ? E como vazou?
ALENCAR ?
Não sei. Sou muito ruim para fazer esse tipo de conjectura.

DINHEIRO ? O caso teria relação com suas críticas à política econômica?
ALENCAR ?
Eu não critico a política econômica. Critico a política monetária, porque essa taxa de juros é incompatível com o crescimento do investimento e do consumo. E digo por que: enquanto as atividades empresariais não gerarem uma remuneração superior à taxa de juros, não haverá desenvolvimento no País. O Brasil continuará tendo um crescimento pífio.

DINHEIRO ? Seu filho criticou a política do ministro Antônio Palocci, dizendo que o Brasil é o ?ponto fora da curva? da economia global.
ALENCAR ?
Ele tem toda razão. O Brasil não pode ter medo de crescer. Eu sou um homem da produção, falo com outros empresários e todos pensam assim. O Brasil não pode ter medo de ser feliz.

DINHEIRO ? O sr. vai continuar batendo?
ALENCAR ?
Eu respeito a imprensa. Sempre que me perguntarem o que eu penso, vou responder.

DINHEIRO ? O sr. se queixou ao presidente Lula?
ALENCAR ?
O presidente tem uma agenda pesada, com assuntos mais importantes. Mas critiquei os atos feitos pela gestão anterior do PT, que é um partido que tem história e vários homens de bem, entre os quais o presidente.

DINHEIRO ? E o que ele disse?
ALENCAR ?
Ele foi solidário.

DINHEIRO ? O sr. pretende deixar o Ministério da Defesa?
ALENCAR ?
Se eu decidir ser candidato a qualquer coisa, terei que me desincompatibilizar até o dia 31 de março de 2006.

DINHEIRO ? Já decidiu?
ALENCAR ?
A minha família quer que eu volte para a casa. Mas posso sim ser candidato e o futuro a Deus pertence.