30/10/2002 - 7:00
Januária, 1989. Entre um gole e outro de cachaça, José Alencar foi abordado por um vereador. ?Por que o senhor vai se meter nesse negócio de política?? Antes de responder, Alencar tomou mais um trago. Era uma noite quente, típica do verão do norte de Minas Gerais. A alguns metros da fazenda, o rio São Francisco refletia a lua cheia, e naturalmente iluminava a prosa na varanda. ?Meus filhos estudam, têm o que querem. Meus netos também. Mas quantos filhos e netos existem por aí?? O vereador sequer retrucou.
Corte. O ano agora é 2002 e Alencar, eleito há quatro anos o senador mais votado por Minas Gerais, agora comemora com Lula a seu maior feito. O empresário, 71 anos, dono da Coteminas, maior grupo têxtil nacional, hoje é vice-presidente da República. Sua escolha para compor a chapa, alvo de críticas de uma ala mais radical do PT, hoje é vista pelo próprio Lula como algo crucial para a vitória. Marcou a união entre capital e trabalho. Quando muitos o criticavam, Alencar exercia o velho dom da paciência mineira. ?As pessoas costumam ter preconceito a respeito daquilo que não conhecem?, dizia, com a calma de quem tinha certeza de que tudo acabaria bem.
Pois Alencar não só chegou à vice-presidência, como chegou lá com o apoio dos militantes do PT que antes o desdenhavam. ?Ele tem uma visão aberta e muito interessante sobre a economia do País?, diz José Fritsch, ex-prefeito de Chapecó que se candidatou pelo PT ao governo de Santa Catarina. No processo de sedução dos correligionários e eleitores, mostrou que, por trás de um dos maiores empresários do País, está um homem simples, que gosta de samba e prefere uma boa cachaça ao uísque. Esse mineiro era tudo que Lula queria para seu companheiro de chapa. O candidato do PT precisava de um nome que lhe desse credibilidade junto a empresários e, ao mesmo tempo, tivesse uma história de luta, sem arranhões de caráter ou passado de corrupção.
biografia que conquistou Lula ? e até mesmo os que antes combatiam o empresário ? começou em Itamuri, Minas Gerais. Aos 7 anos, José já estava no balcão com o pai, o comerciante de tecidos Antônio Gomes da Silva. A mãe, Dolores Peres Gomes da Silva, ficava em casa, cuidando dos outros 14 filhos. José saiu de casa aos 15, passou por dificuldades. Mas a experiência com tecidos acabou se tornando marca no jovem rapaz e, aos 18 anos, José montou sua própria loja. Durante uma festa junina, conheceu Marisa e casaram-se meses depois. Estão juntos há 45 anos. ?Casei com um simples vendedor de loja e agora sou mulher do vice-presidente. Nunca imaginei que isso fosse acontecer?, diz Marisa.
O vice-presidente do Brasil não chegou a terminar o ginásio. A educação foi conquistada atrás do balcão. Formou-se na vida em tecidos, fios, algodão e números. Conhecia todos os fornecedores da sua região, sabia negociar as compras e administrar os estoques. Pode até parecer pouco, mas, recentemente, numa reunião eleitoral com empresários, Alencar pôs-se a falar sobre o balanço das empresas de cada um dos presentes e de como uma atuação no mercado americano poderia ajudá-los. Sua perspicácia e inteligência, assim como um enorme conhecimento do mercado, nunca deixam de impressionar seus interlocutores.
Quando jovem, essas características já haviam chamado a atenção do então deputado Luiz de Paula. Em 1967, com recursos da Sudene, ambos assinaram o projeto de construção da Companhia de Tecidos Norte de Minas ? Coteminas. Localizada em Montes Claros, a empresa foi inaugurada em 1975. Em 25 anos, transformou-se numa gigante da indústria têxtil que emprega 16 mil pessoas e fatura quase R$ 1 bilhão por ano. Nela, Alencar criou uma relação paternal com os funcionários. Em meados dos anos 90, o diretório do PT na região tentou duas vezes organizar uma greve contra a companhia, mas não obteve êxito. O dono da Coteminas aparecia na hora certa, negociava, e pronto: estava cancelada a paralisação. Alencar fez fama de conciliador e de bom patrão. Os funcionários têm uma lista interminável de benefícios: aumento de 3% a cada ano, participação nos lucros, desconto na compra de remédios e no supermercado, cesta básica, assistência médica e odontológica. A Coteminas mantém ainda um colégio para os filhos dos funcionários, que hoje atende 480 crianças.
É essa mistura de empresário e cidadão que faz dele o companheiro perfeito de Lula. Aliás, a relação entre os dois é tão boa que comenta-se que Alencar será no governo o que quiser ser ? um vice-presidente discreto ou com muita visibilidade econômica ou, ainda, ministro da Indústria e Comércio. No mínimo, ele irá indicar o ministro da pasta industrial. Até porque tudo o que Lula deseja no governo é uma reprodução, em larga escala, do que Alencar conseguiu na Coteminas: paz social, endividamento zero, empregos em abundância e excelente performance no mercado externo. Graças sobretudo ao trabalho de seu filho mais novo, Josué Gomes da Silva, as exportações da empresa para os EUA saltaram de US$ 7 milhões para US$ 100 milhões, em cinco anos. Quando decidiu entrar para a política, em 1989, Alencar já havia formado seu primeiro bilhão. Concorreu ao governo de Minas Gerais, mas amargou um terceiro lugar. Sua segunda tentativa, em 98, foi mais convincente: o caixa pessoal do candidato ajudou na campanha pelo Senado, que custou quase R$ 4 milhões. ?A preocupação dele com o bem-estar dos trabalhadores vem muito antes da política. Não é nada eleitoreiro?, diz Vicente Araújo, presidente do sindicato dos trabalhadores da indústria têxtil em Montes Claros. Apesar do estilo paternal, Alencar cultiva as formalidades. ?Seu Zé não é de fazer brincadeiras. Está sempre de terno e gravata. É um homem que dá e exige respeito?, diz um funcionário.
Não foi apenas Lula que se deixou encantar pela história do empresário. José Alencar foi convidado como vice pelos quatro candidatos que disputaram a Presidência no primeiro turno. ?Em 1998, votei no Lula?, diz Alencar, que também foi convidado duas vezes para compor o ministério de Fernando Henrique. Uma delas foi após a votação da CPI da corrupção, em meados do ano passado. Alencar recebeu um telefonema de FHC pedindo que não assinasse o pedido da apuração, mas o senador negou-se. ?É pessoal, senador?, insistiu Fernando Henrique, sem sucesso. José Alencar votou a favor da CPI e, meses depois, ainda assim, FHC o convidou para assumir uma pasta ministerial. Àquela altura, Alencar já havia caído nas graças do PT. ?Se eu for candidato, você será meu vice, Alencar?, disse Lula, já em 2000, contrariando até mesmo o senador petista Eduardo Suplicy, que nunca escondeu sua vontade de disputar a vice-presidência. As semelhanças entre Lula e Alencar tiveram seu peso. Lula às vezes se enfada um pouco com os intelectuais do PT que, por hábito e gosto, costumam citar obras e pensadores estrangeiros. Alencar, não. Para pontuar suas frases de efeito, prefere Noel Rosa e Nelson Cavaquinho. ?Samba não se aprende na escola?, costuma dizer o vice-presidente da República, citando o clássico Feitio de Oração, do poeta da Vila Isabel. E, a essa altura, Alencar já deve estar comemorando a conquista do Planalto com uma velha e boa cachaça mineira.