11/11/2023 - 12:00
Ao contrário do consenso do mercado, que acredita numa flexibilização da política monetária americana em algum momento do ano que vem, o economista-chefe global do Andbank, Àlex Fusté, aposta em manutenção dos juros altos nos Estados Unidos até o fim de 2024.
A resiliência da atividade econômica, acredita, impedirá a inflação dos Estados Unidos, assim como da Europa, de voltar rápido ao centro da meta (2%), ao mesmo tempo em que a guerra entre Israel e o Hamas traz o risco de uma crise energética, o que levaria a uma escalada nos preços do petróleo. “Eu mentiria se dissesse que não me preocupo”, diz o economista ao Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado).
Para o economista-chefe do Andbank, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) não vai ter pressa de cortar os Fed Funds, como são chamados os juros de referência do país, mesmo após dados mais fracos do mercado de trabalho. Ele vê o Brasil entre as economias emergentes preparadas para o ambiente de juros e inflação mais altos nos países ricos, só que pondera para a necessidade de o País demonstrar o seu compromisso com a responsabilidade fiscal, num momento de discussão sobre a meta de zerar o déficit das contas primárias no ano que vem. “O Brasil anunciou seus objetivos [fiscais], mas além de anunciar tem de demonstrar.”
Leia abaixo os principais trechos da entrevista de Fusté, que disse também ver o Brasil atrás de outras economias na transição energética, apesar da aspiração do País de se tornar uma potência verde.
Quais são as possíveis implicações do conflito entre Israel e o Hamas para a economia global?
Hoje, há motivos para preocupação. A situação no Oriente Médio lembra um pouco o episódio vivido em 1973, quando Israel também sofreu um ataque surpresa no sul pelo Egito e no norte pela Síria, desencadeando um conflito [guerra do Yom Kippur] que teve como consequência o embargo [de fornecimento de petróleo] do mundo árabe aos países ocidentais que apoiaram Israel, sobretudo Estados Unidos e Europa. Foi a origem de uma crise energética que se estendeu até 1979, levando nesse período o barril do petróleo a subir de US$ 3 para US$ 40. Provocou uma grave crise econômica, inflação e taxas de juros a 15%. Será preocupante se houver novamente uma crise energética decorrente de uma reação desproporcional de Israel junto com uma reação coordenada de todo o mundo árabe em forma de boicote [do petróleo]. Eu mentiria se dissesse que não me preocupo. É preciso estar muito atento e cruzar os dedos para que sejamos capazes de superar esse episódio com o mínimo de custo.
A possibilidade de escalada do conflito é hoje apenas um risco ou o senhor considera o cenário mais provável?
Ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. Se tivesse de apostar, diria que o mais provável é de não haver uma escalada que leve a uma crise energética. Meu cenário central, com uma probabilidade de 50%, é de que não vai acontecer um boicote do mundo árabe como resultado de uma resposta desproporcional [de Israel]. Os Estados Unidos estão fazendo um trabalho muito bom na região. Antony Blinken e Joe Biden [respectivamente, secretário de Estado e presidente dos EUA] estão se reunindo com todos os agentes da região, não apenas Israel, mas também a Autoridade Palestina e a Arábia Saudita – todo o mundo muçulmano, exceção ao Irã, obviamente. Estão acalmando os ânimos e assessorando Israel em suas intenções de fazer uma incursão em Gaza de forma que sejam perseguidos apenas objetivos militares. Temos de reconhecer esse esforço pacificador dos Estados Unidos de evitar uma resposta excessiva. Se seguir por esse caminho, as coisas vão caminhar bem. Se a resposta for desproporcional, as coisas vão ficar mal. Israel tem ciência de que uma resposta desproporcional teria mais custos do que benefícios. O problema é que existem outros agentes, que não seguem uma lógica de custo e benefício, cujas ações são relacionadas à religião e, assim, são imprevisíveis.
Qual é a sua expectativa para os juros nos Estados Unidos e na Europa diante desse risco?
Nós não pensamos como o consenso [do mercado], que vê uma redução dos Fed Funds no ano que vem. Acho que é difícil cortar as taxas. Tanto o Fed quanto o Banco Central Europeu [BCE] sugerem que chegaram a uma taxa suficientemente alta para deixá-la assim por longo período. Possivelmente o BCE já tenha chegado à sua taxa terminal [4% ao ano].
O senhor acredita que o ciclo de alta dos juros nos Estados Unidos também já chegou ao fim?
A mensagem de Powell [Jerome Powell, presidente do Fed] na semana passada foi clara no sentido de que os juros chegaram a um nível suficientemente alto para que, ao deixá-lo parado por um longo período, pode ter um efeito no longo prazo no controle da inflação. A sinalização é de que o Fed está satisfeito com o nível atual. Não descarto um último ajuste, mas este não é mais meu cenário central. Descarto, sim, uma redução dos juros no curto prazo, de seis ou nove meses.
Por quê?
Sabemos que a inflação só vai melhorar gradualmente, não vai cair verticalmente. O Fed não vai ter pressa de cortar a taxa. Não há motivos para o Fed acelerar a redução dos juros. As expectativas de crescimento para 2024, inclusive, subiram para 1,5%. Não haverá recessão em 2024 e nesta circunstância o Fed não terá nenhuma pressa. Sem recessão à vista e com a inflação mais próxima hoje de 4%, o Fed não tem nenhum incentivo para começar a cortar os juros. Penso que os investidores vão adiar as expectativas de início de corte ao longo do tempo. Em pouco tempo, deixarão de esperar cortes no primeiro semestre, e provavelmente tampouco no terceiro trimestre. Pessoalmente, penso que é provável que também não baixará no quarto trimestre.
Por que na Europa o ciclo de alta dos juros terminou antes?
Tanto a Europa quanto o Japão sempre querem que o Fed faça o “trabalho sujo”. Querem controlar a inflação sem subir muito suas taxas e sem golpear muito a economia. Preferem que o Fed golpeie a sua economia. E como se trata da maior economia do mundo, se ela tem uma desaceleração, provoca uma deflação global, beneficiando assim Europa e Japão. Caso sigam essa estratégia histórica, significa que já subiram o que tinham que subir. Nos Estados Unidos, os juros vão ficar em 5,5%, quem sabe em 6%, mas creio que vão manter a taxa parada.
Quanto tempo vai demorar para a inflação voltar ao centro da meta de 2% nos Estados Unidos e na Europa?
A pergunta que me faço é: depois de duas décadas de políticas monetárias inflacionistas, com juros próximos a zero e afrouxamento quantitativo, quantos anos de inflação teremos? É uma pergunta que ninguém sabe responder hoje. Mas sei que nos anos de 1980 e 1990, quando os países desenvolvidos implementaram políticas deflacionistas, com taxas de juros a 15%, o resultado foram 20 anos de situação deflacionária. Agora, é o contrário, viemos de 20 anos de politicas inflacionistas. Se seguirmos a mesma regra, alguém pode pensar que ainda teremos 20 anos de inflação, o que descartaria a possibilidade de a inflação voltar a 2% em dois ou três anos.
Mas não em duas décadas, certo?
Vinte anos, de fato, é muito tempo, mas acho que vai demorar um pouco mais do que as pessoas esperam.
Como está o seu cenário para as economias emergentes nesse contexto de inflação mais alta nas economias desenvolvidas e mudança no modelo de crescimento da China?
Diria que existem economias emergentes bem preparadas e outras menos preparadas. As que estão bem preparadas são as que, como México e Brasil, fizeram o dever: subiram muito as taxas de juros, controlaram a inflação e a moeda ganhou muita credibilidade. A questão fiscal é que precisará ser controlada. O México controlou bem suas finanças públicas. Já o Brasil anunciou seus objetivos [fiscais], mas, além de anunciar, tem de demonstrar. Tivemos uma experiência ruim no Brasil em 2016, quando o descontrole das finanças públicas nos fez sofrer muito nos investimentos em dívida [títulos de dívida]. As taxas dispararam porque havia temor de default.
Como ficaria a situação do Brasil numa nova crise energética?
O Brasil tem uma boa história econômica, é uma potencia exportadora de commodities, como minério de ferro, soja e petróleo, mas também importa fertilizantes. Tem de tomar cuidado com o risco de disparada nos preços dos fertilizantes numa crise energética. Mas, em geral, o Brasil está bem preparado para uma crise que leve a um boom nos preços das commodities. Afinal, quase tudo o que exporta são commodities, e as exportaria mais caro. Por outro lado, a crise energética da década de 70 levou à década perdida na América Latina nos anos 80. Então, temos de ver.
O senhor acredita no potencial de o Brasil se tornar uma potência verde? O mundo está olhando ao Brasil como um líder da transição climática?
A transição energética é uma corrida de muitos corredores. E existem corredores que estão adiantados. Eu me atreveria a dizer, mesmo sendo um grande crítico da Europa, que a Europa tomou a dianteira na luta contra as mudanças climáticas. Suas regulações foram muito endurecidas contra os combustíveis fósseis, e a aplicação de critérios ESG [de boas práticas de governança e socioambientais] também está muito regulada. Estamos castigando empresas que não cumprem padrões ambientais e são poluidoras. São passos altamente inflacionistas – tudo isso tem um custo -, mas sem dúvida a Europa tomou a dianteira. Que eu saiba, no Brasil não há regulação nem obrigatoriedade de ESG nos investimentos. Então, está atrás. Nos Estados Unidos, também há uma forte pressão sobre toda a indústria energética e a agenda verde de Biden, também com um custo inflacionista, mas com passos feitos. Que o Brasil tem potencial de se tornar uma potência verde, não há dúvida, mas nessa corrida ainda não tomou a dianteira por enquanto. Há outros países correndo mais rápido.