Depois da tragédia criminosa com prevaricação militar que foi o 8 de janeiro, chegou o 1 de fevereiro. Na prática, com a (re)eleição dos presidentes de Câmara e Senado, começa agora o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva na presidência. Se chegar ao fim, ficará 12 anos na principal cadeira da República. De forma legítima, ninguém com mais tempo. O ‘se chegar’ usado duas frases anteriores não se trata de mau presságio, mas de um recado para o difícil jogo que Lula terá pela frente. Muito pior que em seus dois governos anteriores.

O primeiro motivo é a passagem de bastão. Lula recebeu o governo em 2003 das mãos de Fernando Henrique Cardoso. A despeito da escandalosa forma como FHC fez nascer esse desastre chamado reeleição, entregou um país com a hiperinflação domada, as instituições prestigiadas e um Estado menor – porque esse papo de que não se deve discutir Estado grande ou pequeno é balela para lugar desenvolvido. Aqui o Estado é grande, sim. E por ser inchado é voraz, péssimo gestor (quando não é ladrão) e o maior transferidor de renda e gerador de desigualdades.

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Desta vez, Lula nem recebeu o bastão. Recebeu uma tentativa de golpe protagonizada estupidamente por uma legião cujos financiadores (e prevaricadores que colaboraram com uma inércia criminosa) ainda estão longe das leis. Por ora, detidos mesmo só aquela trupe feia e incivilizada. No campo institucional, o Congresso já mostrou os dentes. Caso o governo não se aproximasse do até então inimigo e bolsonarista voraz Arthur Lira teria perdido a Câmara. Lira se reelegeu com recorde de votos. Do total de 513 deputados, estiveram no pleito 509 – e 464 votaram nele. Prova cabal de que essa casa é movida a um combustível único: dinheiro. Porque Lira foi quem cuidou da inclassificável distribuição das verbas do Orçamento Secreto. E por mais que ele agora traga carimbo e um pouco mais de transparência, nesse nosso parlamentarismo não assumido Lira é quem decide se uma reforma tributária entra na pauta ou se um pedido de impeachment ficará guardado.

O nome disso é parlamentarismo, mas pode chamar do que quiser. E os parlamentares representam 50 milhões de brasileiros que escolheram Jair Bolsonaro. Parte razoável não vê Lula como alguém do outro lado. São milhões que o odeiam, ou diariamente o chamam de criminoso – ignorando o que é um julgamento anulado (mas não dá para esperar muita coisa de gente que ignora a diferença entre democracia e ditadura). Pois agora essa massa rude tem em centenas de deputados seus representantes. Na quarta-feira (1) alguns já portavam cartazes com o “Fora, Lula”. Sim. “Vaza, presidente” era o recado.

Pelo Senado a coisa não foi muito melhor. Rodrigo Pacheco se reelegeu com 49 votos, contra 32 de Rogério Marinho, do PL. Marinho é o mesmo que boicotou qualquer tentativa de Paulo Guedes fazer andar projetos que pudessem civilizar o Estado brasileiro. Como um digno ‘liberal brasileiro’, ele defende o Estado num padrão que faria corar líderes norte-coreanos. Porque liberalismo aui é lido no espelho e é formado não pelo pessoal do Novo, mas do PL, que defende verba pública em eleições, verbas secretas e cargos públicos. Esse é o cenário que Lula deve olhar. O problema que deve enfrentar. Uma equação que junta meio país que o despreza + outro tanto de um Congresso que o odeia. São esses os números para os quais Lula devem olhar.

Quanto aos números da economia, o último Relatório Focus (divulgado nesta segunda-feira, 6, pela manhã) traz desafios poderosos. O IPCA variou pela oitava semana seguida para cima (5,78%). O PIB variou para baixo (0,79%). O juro continua nas alturas (12,50%), mas no mundo real, medido pela Anbima, a curva de juro em um ano já bate em 13,7%. Essa encrenca está nas boas mãos de Fernando Haddad, que foi um prefeito exemplar fiscalmente em São Paulo – vale lembrar que a cidade é maior que todos os estados do país com exceção, claro, de São Paulo e outros três (Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia). Cuidar desse cenário macro vai começar por uma proposta de Reforma Tributária conduzida internamente por uma pessoa que tem o respeito até de adversários, o secretário especial Bernard Appy. Esses são os números que Lula deve deixar para os especialistas. E ajudará muito se não ficar atirando semanalmente pedras no mercado e no Banco Central. Em suma, cuide do político e esqueça o econômico.