06/09/2025 - 16:00
José Graziano da Silva afirma à DW que Brasil é um exemplo para o mundo ao sair do Mapa da Fome da ONU, mas que precisa de vontade política para encarar os mais de 28 milhões de brasileiros em insegurança alimentar.”A fome é facilmente resolvida no Brasil se houver vontade política”, afirma José Graziano da Silva, 75 anos, ex-diretor da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), ao comentar sobre a saída do Brasil do Mapa da Fome, anunciada no fim de julho pela ONU.
Trata-se da indicação de que menos de 2,5% da população do país está sob risco de subnutrição ou de falta de acesso à alimentação suficiente – após três anos estourando esse teto. Graziano comemora o feito, mas não se esquiva dos 28 milhões de brasileiros que ainda vivem experiências de fome em seu cotidiado.
“Acho que o Brasil é um bom exemplo para o mundo e demonstra que é fundamentalmente uma decisão política querer acabar com a fome. Agora temos os meios para fazê-lo.”
Dedicado ao tema da segurança alimentar e a questões agrícolas há mais de 30 anos, Graziano foi ministro especial de Segurança Alimentar e Combate à Fome durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2006), quando esteve à frente de políticas decisivas na redução da pobreza no Brasil na época, como o Fome Zero.
Entrou para a FAO em 2006, como representante regional para América Latina e Caribe, onde mobilizou países da região a assumirem o compromisso de erradicar a fome até 2025. Em 2012, assumiu o cargo de diretor-geral do órgão – o primeiro latino-americano eleito para essa posição.
Em entrevista à DW, ele fala sobre os desafios para o fim da fome e a democratização de uma alimentação saudável.
Fim da “revolução verde”?
Graziano explica que até o início dos anos 70, havia uma situação de insegurança alimentar no mundo relacionada à falta de alimentos, o que gerou grandes fomes na China, na Índia e em países da África, por exemplo.
Veio então um movimento de modernização agrícola que aumentou drasticamente a produção de alimentos em todo o mundo, com novas variedades de culturas de alto rendimento, fertilizantes, insumos químicos, pesticidas e técnicas agrícolas intensivas e mecanizadas. Foi a chamada “revolução verde”, focada no plano de transformar o país em exportador de commodities agrícolas.
“Agora, há alimentos suficientes para todos, mas há um problema de distribuição. As pessoas não têm dinheiro para comprar alimentos”, aponta.
“Acho que estamos passando por uma fase crucial. A ‘revolução verde’ não funciona mais. Então, é hora de rever esse modelo que teve muito sucesso e, por isso, abandoná-lo causa resistência. Mas acho que é uma questão de tempo até que possamos conseguir isso. Porque hoje temos alternativas na agricultura ecológica ou regenerativa que oferecem produtos de melhor qualidade, e o consumidor sabe disso.”
Conectar agricultores com consumidores
Hoje, um dos maiores desafios é alimentar as pessoas com produtos de qualidade, aponta Graziano. Ele defende a criação de programas voltados sobretudo para as crianças e para as áreas periféricas urbanas, onde está concentrada a maior parte dos “desertos alimentares” – áreas onde é difícil o acesso a produtos minimamente processados ou in natura, como frutas, legumes e verduras.
“Hoje em dia, você vai a um subúrbio de uma grande cidade em qualquer lugar do mundo e é muito difícil encontrar frutas e verduras. Tem muitos quiosques que vendem refrigerantes, bolos, hambúrgueres e produtos ultraprocessados, ricos em açúcar, sal e gorduras trans”, ilustra.
Uma das saídas é facilitar o contato de agricultores com os consumidores, com feiras ao ar livre, por exemplo.
Resistência das multinacionais contra selos
O Brasil, assim como outros países da América Latina, tem um grande problema de obesidade. Após muita luta com a indústria alimentícia, o governo emplacou os selos de alerta nos alimentos ultraprocessados, indicando alto teor de sódio, gordura saturada e açúcar – uma política mais avançada que a de alguns países europeus.
Graziano lembra que o primeiro país a implementar uma lei de rotulagem foi o Chile, em 2016, com selos e restrições publicitárias. Lá, as empresas não podem mais colocar animais em suas embalagens para atrair as crianças, por exemplo. Produtos ultraprocessados com o selo preto devem ficar na parte inferior das prateleiras ou em um local alto de difícil acesso para crianças.
“Isso foi possível graças a um importante diálogo político interno ao qual aderiu parte da indústria alimentícia, sobretudo a indústria nacional. A resistência vinha mais das multinacionais”, afirma.
“Logo se descobriu que a empresa que cumpria as normas tinha um desempenho comercial muito melhor. E à medida que as outras começaram a perder participação no mercado, acabaram cedendo.”
O desafio dos impostos e dos pesticidas
Graziano critica a falta de incentivos fiscais a uma agricultura mais saudável. “É um problema de impostos. Não temos diferenciação fiscal que favoreça a qualidade dos alimentos, como a maioria dos países europeus tem. Temos custos de produção muito baixos devido ao uso em grande escala de fertilizantes e pesticidas químicos importados sem impostos. Tudo isso favorece a indústria agrícola e resulta em preços mais baratos do que os da agricultura familiar ou orgânica.”
Essa distorção intensifica o paradoxo do Brasil como país com imensa capacidade produtiva e abundância de alimentos, mas com um grande número de pessoas em situação de insegurança alimentar.
“Isso me preocupa muito e preocupa os consumidores que recebem esses produtos sem nenhuma garantia de que estão comendo alimentos saudáveis. O Brasil usa uma quantidade enorme de pesticidas, muitos dos quais são proibidos em outros países. Precisamos de leis mais restritivas sobre o uso de produtos químicos nos alimentos.”