A contribuição positiva dos alimentos para a queda da inflação vista neste ano tende a não se repetir em 2024, pelo menos não na mesma intensidade. O cenário de preços de commodities agrícolas ainda é incerto, apontam especialistas de mercado, em virtude da indefinição quanto à safra de grãos em andamento. Mas os alimentos não trarão o alívio ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) que proporcionaram neste ano. O movimento já foi observado em novembro, com alta de 0,63% no IPCA, decorrente das temperaturas mais altas e do maior volume de chuvas, que puxaram os preços dos alimentos no último mês.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) não vê maior contribuição dos produtos agropecuários na inflação em 2024. “A ajuda para redução da inflação por meio dos alimentos não haverá. A dúvida é se haverá pressão inflacionária pelos alimentos, mas, por enquanto, não há indicativos de pressão generalizada mesmo com sinais de alta de preços em algumas cadeias”, avaliou o pesquisador e economista do Ipea José Ronaldo Souza Júnior. Ele mencionou que o arroz, produto de peso na cesta da inflação, não deve subir em virtude da perspectiva de maior produção, enquanto o açúcar deve manter movimento de alta.

“A tendência é de que volte ao ciclo normal. A melhora da inflação vinha sendo puxada pelos alimentos, mas não há como perdurar por muito tempo pelos mecanismos de oferta e demanda e perspectiva de estabilidade”, apontou Souza Júnior.

A mesma leitura é feita pela consultoria MB Agro, que aponta tendência de uma maior pressão inflacionária pelos alimentos no próximo ano. O sócio-diretor José Carlos Hausknecht observa que culturas que estão sendo colhidas, como feijão e trigo, subiram de preços, o que também pode ser visto na safra de verão com o El Niño em andamento.

“Acho que 2024 não será tão favorável à inflação de alimentos, mas não vejo um movimento tão forte ou explosivo como foi na pandemia. Ainda é cedo para mensurar porque é preciso acompanhar como a safra de grãos e a safrinha irão se desenrolar. Ainda há uma série de dúvidas em relação à produção”, observou Hausknecht.

Para a economista da Tendências Consultoria Gabriela Faria, além de grãos e carnes para os quais considera que os preços tendem a cair no próximo ano, a perspectiva de inflação de alimentos precisa considerar sobretudo culturas com peso na cesta, como feijão, arroz e hortifrútis.

“São culturas que têm sido afetadas pelo clima e que podem ser fator de alta na inflação. Não acho que será um viés de alta como foi em 2022, apenas se a produção for bastante afetada, ao contrário do que as previsões mostram”, afirmou Faria.

Na visão do economista da E2 Economia Fábio Moraes, das proteínas não virá grande pressão. Para ele, em 2024 o mercado pecuário ainda será ofertante, com abate de fêmeas e porque o ano deverá registrar bom volume de chuva.

Sócio da MacroSector Consultoria, o economista Fábio Silveira prevê que haverá sim uma correção de preços no Grupo Alimentação. Segundo ele, o agro não vai contribuir tanto para a formação do PIB, mas não será o setor o responsável pelo aumento da inflação. Ele projeta uma inflação de 4,3% no ano que vem por causa de uma recuperação de margem no setor serviços.

“Inflação maior em 2024 será porque alguns serviços estão majorando preços para recuperar parte das perdas acumuladas nos últimos quatro anos”, justificou Silveira.

Afrouxamento monetário – Esse cenário de menor alívio dos alimentos na inflação pode contribuir para desacelerar o ciclo de queda de juros, dada a elevada participação dos produtos alimentícios no índice, a depender do comportamento dos outros componentes da cesta, apontam os analistas.

“Já existe uma expectativa nesse sentido no mercado, de preços um pouco maiores e esfriamento da queda de juros. Alimentos deixarão de ser item positivo para sinal negativo, mas talvez não suba tanto”, ponderou Hausknecht.

Faria, da Tendências, não vê relação direta entre maior pressão inflacionária dos alimentos e interrupção do ciclo de redução de juros.

“Acredito que outros itens podem contribuir para isso, mas não a alimentação. O item de maior peso no IPCA são as carnes e prevemos um ciclo de oferta ainda forte”, pontuou.

O economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira, por exemplo, não descarta a intensificação do debate sobre a aceleração dos passos de corte da Selic, de 0,50 ponto porcentual para 0,75 ponto, por defender que a média das medidas de núcleo da inflação já está no centro da meta inflacionária há uns três meses.

“Os núcleos dessazonalizados com suas médias anualizadas apontam para um IPCA de 3%, que é a meta para o ano que vem”, disse o economista.