Ainda não há uma data exata, mas em breve o Brasil poderá receber da Argentina farinha de trigo transgênico. A entrada do produto foi aprovada no final do ano passado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Essa decisão foi tomada após dois anos e oito meses de análise técnica, comprovando que a farinha do trigo em questão “é tão segura à saúde humana e animal quanto a farinha produzida a partir de grãos de trigo convencionais”.
À época, a medida foi bastante questionada por representantes da cadeia industrial do trigo e de alimentos que utilizam o grão como matéria-prima. A Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) chegou a divulgar um comunicado oficial, assinado por seu presidente, Rubens Barbosa, afirmando que a decisão havia sido tomada “com base em critérios técnicos que incidem na segurança, sem maior estudo sobre condições de mercado e de comportamento do consumidor”. Existia a preocupação com um eventual impacto sobre as exportações brasileiras de produtos derivados do trigo, como massas, biscoitos e pães.

Com alta de 46,25% desde o início da guerra, trigo tem recorde histórico

Em janeiro deste ano, o tom da cobrança estava um pouco mais brando. “A questão era de segurança alimentar, queríamos mais informação e fazer mais pesquisas sobre os impactos”, afirmou o presidente da Abitrigo à ISTOÉ Dinheiro. Segundo Barbosa, mesmo com a aprovação da CTNBio, este ano ainda não seria possível importar a farinha de trigo transgênico da Argentina, e somente no segundo semestre de 2023 é que começaria a ser sentido o impacto dessa compra.

O trigo em questão, chamado de HB4, recebeu um gene do girassol para ser mais resistente a situações de estresse hídrico. A empresa responsável por esse processo é a Bioceres Crop Solutions. De acordo com o head global seeds da empresa, Alexandre Garcia, em breve entrarão também com pedido para liberação do plantio desse grão aqui no Brasil. “Ainda precisamos concluir todos os testes, que já estão no segundo ano. Do ponto de vista regulatório, seguiremos os parâmetros da CTNBio, e em relação ao consumo, precisamos mostrar que o produto é semelhante ao trigo convencional”, disse. Até pelo fato de o plantio da variedade transgênica ainda não ser autorizado no País é que a Bioceres solicitou a liberação da importação apenas de farinha e não do grão. “Não queríamos correr o risco de alguma semente cair pelo caminho”, afirmou Garcia.

Esse debate pode ganhar mais importância, levando-se em conta que o Brasil importa cerca de 60% do trigo que consome, e 85% desses grãos são fornecidos pela Argentina. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra atual de ser de 7,6 milhões de toneladas, mas o consumo interno passa de 12,5 milhões de toneladas. Outro fator que aquece as discussões sobre a produção do cereal é a guerra entre Rússia e Ucrânia, pois segundo a Abitrigo os dois países juntos respondem por cerca de 30% das exportações globais do grão, algo em torno de 210 milhões de toneladas. Sem esse volume no mercado, a alta nos preços é inevitável – com oito dias de conflito no leste europeu, as cotações do trigo nos Estados Unidos já haviam aumentado 35,7%. Como ainda não há uma sinalização de que o confronto vá terminar tão cedo, a escalada dos preços do trigo podem ir além do que se imagina ou do que suporta o mercado.