12/11/2008 - 8:00
A HISTÓRIA DOS GRANDES bancos brasileiros está profundamente ligada a dinastias familiares. No século XIX, nenhum banqueiro foi capaz de rivalizar com os Evangelista de Souza, cujo líder, o Barão de Mauá, controlava três dos cinco maiores bancos do País. No século XX, inúmeros sobrenomes deixaram suas marcas. Houve os Magalhães Pinto, de José de Magalhães Pinto, que transformaram o Banco Nacional no segundo maior do País, atrás apenas do Banco do Brasil. Ou os Safra, dos irmãos José e Moisés Safra, que fundaram uma empresa financeira que até hoje leva o sobrenome da família. Ou os Bozano. Ou os Simonsen. Ou os Calmon de Sá. A lista é extensa. Contudo, nenhum outro sobrenome está tão associado à trajetória dos bancos nacionais quanto a trindade formada por Salles, Villela e Setubal (o Bradesco é um caso à parte. Foi criado por uma família, mas hoje é controlado por uma fundação). Na semana passada, herdeiros dos três senhores que aparecem na ilustração acima, e que foram os gênios por trás da criação e da expansão do Itaú e do Unibanco, realizaram um feito extraordinário. Os banqueiros mais tradicionais da história do País uniram-se para formar um grupo só. Embora o casamento parecesse algo improvável antes da consumação na semana passada, as culturas empresariais e trajetórias de vida similares demonstram que a fusão é um movimento natural, inevitável até.
Em 1940, Walther Moreira Salles transformou uma simples casa bancária, que havia sido fundada por seu pai para emprestar dinheiro a produtores de café, em um banco de verdade. Mais tarde, prometeu para si mesmo transformá-lo numa instituição de alcance nacional. Culto, elegante no trato com as pessoas, amante das artes, Salles tinha imensa vocação para o trabalho. Por isso mesmo, exerceu diversas atividades ao longo da vida. Foi duas vezes embaixador nos Estados Unidos, ministro da Fazenda no governo João Goulart e negociador da dívida externa brasileira junto ao Fundo Monetário Internacional. Em 1959, Eudoro Villela se tornou diretor do Banco Federal de Crédito, criado pelo pai de sua mulher 16 anos antes. Homem de múltiplos interesses, foi pecuarista, industrial de madeira e banqueiro. Antes, havia trabalhado como médico no Instituto Oswaldo Cruz e na França, onde publicou diversos trabalhos científicos. Como diretor do Banco Federal de Crédito, que mais tarde viria a ser o Itaú, aproximou-se do sobrinho do fundador da instituição, o engenheiro mecânico Olavo Egydio Setubal.
Dono de uma inteligência aguda e com uma força de trabalho brutal (capaz, por exemplo, de dormir apenas quatro horas por dia), Setubal formaria uma parceria histórica com Villela. Juntos, planejaram fazer da instituição a maior do Brasil – o mesmo pensamento, aliás, que movera Walther Moreira Salles poucos anos antes. Havia outras afinidades entre Setubal e Salles, além do notável talento para administrar bancos. Setubal também era um apaixonado pelas artes (financiou, durante muitos anos, inúmeros projetos culturais) e teve uma carreira pública profícua. Foi prefeito nomeado de São Paulo por indicação do governador Paulo Egydio Martins, entre 1975 e 1979. Era a época da ditadura militar, que restringia o voto direto. Tancredo Neves, que o escolheu para fundar o Partido Popular (PP) em São Paulo, convidou-o anos depois para ser o ministro das Relações Exteriores, no primeiro governo civil da redemocratização do País. Setubal, portanto, participou ativamente da transição da ditadura para o Estado democrático de direito – e jamais vangloriou-se disso.
Enquanto o País mudava, as três famílias adotavam estratégias semelhantes para alavancar os dois bancos que controlavam. Ambos tiveram sua história marcada por fusões e aquisições. O Itaú ganhou a denominação atual depois de adquirir os bancos Paulista de Comércio, Itaú S.A. (um banco ligado a empresários mineiros), Sul Americano do Brasil, Americana, Aliança, Português do Brasil e União Comercial. Mais recentemente, comprou o Bank Boston. O Unibanco também deslanchou depois de uma série de aquisições. Em 1967, juntou suas operações às do Banco Agrícola Mercantil do Rio Grande do Sul, que deu origem à União dos Bancos Brasileiros. Em 1975, surgiria enfim o nome Unibanco. Mais tarde, vieram as incorporações do Banco Nacional, do Bandeirantes e da Fininvest, que colocaram o Unibanco entre os cinco maiores do País.
As coincidências não terminaram com a morte dos chefes das dinastias Salles e Setubal. Walther Moreira Salles e Olavo Setubal conseguiram fazer sucessores à altura de seu talento, o que foi decisivo para a consolidação das duas corporações num mercado que passou recentemente a ser assediado por gigantes estrangeiros. No Itaú, Roberto Setubal, 54 anos, é o comandante que, a exemplo do pai Olavo, sabe ser duro quando necessário e gentil quando ninguém espera por um agrado. No Unibanco, Pedro Moreira Salles, 49 anos, tem o pragmatismo do pai Walther e o talento para detectar oportunidades onde é difícil enxergá-las. Roberto tem seis irmãos e Pedro, três. Muitos deles têm filhos – o que eleva para mais de duas dezenas o número de herdeiros. Surpreendentemente, em nenhuma das corporações há notícias de brigas entre irmãos ou primos. Com alma de banqueiros, os Salles, os Setubal e os Villela – agora todos sob o mesmo teto – querem dar vida longa à saga de suas famílias.
Os banqueiros mais tradicionais do Brasil
Dos fundadores aos herdeiros atuais, quem é quem na história do Itaú e do Unibanco