30/06/2001 - 7:00
Fim de maio. Diante da possibilidade de um apagão, as centrais de atendimento telefônico da maior distribuidora de energia do País ? Eletropaulo ? foram inundadas de chamadas. A avalanche foi muito além da capacidade de atendimento da empresa. No início de julho, ela só conseguia atender 1,28% das ligações. Resultado: vinte dias depois, a distribuidora de energia reformulava o seu contrato com a Atento, maior empresa de call center do País. Em 24 horas o número de operadores saltou de 250 para 500. E a Atento lucrou com a crise: R$ 1 milhão por mês, apenas neste contrato. Bem-vindo ao universo em expansão do telemarketing, o negócio que mais cresce no Brasil e ? atenção ? deve se tornar, nos próximos dois anos, o maior empregador do País, a exemplo do que já acontece nos Estados Unidos. Embora exista há pouco mais de cinco anos, o setor cresce 30% a cada doze meses e está se tornando rapidamente uma potência, em faturamento e empregos. Hoje, segundo dados extra-oficiais, existem 300 empresas de call center, 1.700 centrais de atendimento e o faturamento conjunto atingiu US$ 1 bilhão no ano passado. O setor ocupa 400 mil pessoas e já está logo atrás dos
500 mil bancários como o maior exército de mão-de-obra brasileiro. Mas enquanto os bancos estão em processo de enxugar seus quadros, o telemarketing está fazendo o contrário: não pára de crescer e contratar. Logo, é mera questão de tempo antes
que a fatia mais grossa dos trabalhadores brasileiros esteja ganhando a vida ao telefone em vez de estar numa fábrica
ou atrás de uma caixa registradora.
?Nos Estados Unidos, esse setor tem 7 milhões de empregados. É monumental?, afirma Pedro Renato Eckersdorff, vice-presidente da associação das empresas de telemarketing. ?Aqui, estamos caminhando para isso.? No Centro de Solidariedade ao Trabalhador, entidade de ajuda aos desempregados mantida pela Força Sindical, sobram vagas para operadores de telemarketing.
Desde o começo do ano, a categoria ocupa o primeiro lugar na lista de profissionais mais procurados. Na última semana, o Centro oferecia 7.389 vagas e quase 10%, 785, era para operadores. Embora os serviços de atendimento existam no Brasil desde a década de 80, instalados pelos bancos, eles só ganharam peso e visibilidade a partir da privatização da telefonia. ?As novas empresas passaram a ver no telemarketing um instrumento de geração de receita e novos negócios?, explica Ana Maria Moreira Monteiro, presidente da AM3, uma empresa que presta consultoria de marketing.
Atrás da Atento no mercado está a carioca Telemar. Há seis meses, a operadora de telefonia montou a Contax, que rapidamente se tornou a segunda maior empresa de telemarketing do País. Ela tem cinco call centers, 10 mil funcionários e faz 43 milhões de ligações por mês. ?A Telemar ainda representa 97% dos nossos negócios, mas o leque está se abrindo?, conta Nelson Ricciardi, diretor de tecnologia. Outra empresa que vem fazendo barulho no mercado é a Brasil Center, uma subsidiária da Embratel. Montada em dezembro de 1998, a empresa dedica-se exclusivamente ao atendimento dos 30 milhões de clientes da operadora. ?Fizemos parcerias com algumas prefeituras do interior do Brasil e recebemos isenção do ISS na montagem dos nossos centrais de atendimento?, diz Ney Acyr Oliveira, diretor-executivo da Brasil Center. Em contrapartida, a empresa oferece empregos. Em cidades como Vila Velha, Juiz de Fora e Ribeirão Preto a Brasil Center já está entre as maiores empregadoras.
A competição entre as empresas aumentou também as exigências na contratação de mão-de-obra. No início, as vagas eram encaradas como bicos temporários, para ajudar a pagar a universidade ou saldar uma dívida. ?Hoje esta é uma profissão real, com plano de carreira?, diz Felipe Pech, diretor de marketing da Novezala, no Rio de Janeiro, agência de recrutamento carioca que se especializou desde o ano passado em treinar operadores de call center. Hoje a agência ocupa oito andares de um edifício, e até novembro tomará o prédio todo. Seus cursos têm carga horária de 36 horas e custam R$ 90. ?A procura está imensa?, diz Pech. O salário de um operador varia entre R$ 400 e R$ 1.200 e as exigências são simples: segundo grau completo e paciência para lidar com os clientes. O tempo médio de permanência na profissão é de quatro anos e a rotatividade anual é de 30%, bem acima de outros setores. Na maioria das empresas, existe apenas um supervisor para dezenas de operadores, tornando as chances de promoção mínimas. ?O trabalho é monótono e a pressão é muito grande?, diz Claudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp, especialista em relações de trabalho. Para reduzir o stress, algumas empresas montam salas de relaxamento com almofadas e música suave, onde as pessoas podem ficar alguns minutos por dia. É um emprego duro, mas paga e oferece vagas. ?Como carreira é limitado, mas se aprende a tecnologia e relacionamento com clientes, que são essenciais no nosso tempo?, afirma outro estudioso do trabalho, o professor Hélio Zylbersztajn, da USP. Se as metas da Agência Nacional de Telefonia (Anatel) forem cumpridas, a rede de telefonia fixa deverá triplicar neste período. E o exército de atendentes dos call centers também.
O raciocínio é simples: com a abertura do mercado, é preciso competir para ganhar ou reter clientes. E isso significa tratar bem deles. ?Ou as telefônicas tornavam-se empresas de relacionamento ou perderiam mercado?, diz Ana Maria. Hoje, as cinco maiores companhias que operam nesse mercado são ligadas a empresas de telefonia: Atento (Telefonica), Contax (Telemar), Brasil Center (Embratel) e ACS (Algar). Juntas, elas empregam cerca de 150 mil funcionários. A adoção do Código de Defesa do Consumidor e dos programas de qualidade também entrou no jogo para aproximar ainda mais as empresas dos seus clientes. Mais recentemente, o boom de Internet também ajudou a turbinar a demanda por esses serviços. Por trás de boa parte das operações virtuais sempre existe uma voz humana a postos, para contornar os problemas. As pesquisas mostram que mesmo em centrais de atendimento automatizadas 68% dos usuários acabam optando por falar com uma atendente.
Subsidiária da Telefônica, a Atento chegou ao País em janeiro de 1999. A companhia cresceu rápido contratando pessoas e comprando empresas rivais. Em dezembro daquele ano foi a vez da Trilha, com sede na Bahia e grande presença no Nordeste. Em abril do ano passado, a Atento adquiriu a Quatro/A, então a maior empresa de call center nacional, com 3,5 mil posições de atendimento e 7 mil atendentes. Hoje a companhia atende grandes clientes como Varig, Ford e Globo ? e emprega uma legião de 27,5 mil profissionais. ?Em dois anos, nos tornamos o sexto maior empregador privado do Brasil?, orgulha-se o espanhol Martin Hackett, 37 anos, presidente da Atento. À frente da Atento na lista de maiores empregadores privados estão apenas Pão de Açúcar, Carrefour, McDonald?s, Sadia e Volkswagen. Presente em 15 países, a Atento faturou US$ 550 milhões no ano passado, sendo US$ 250 milhões só no Brasil. Até o final do ano, a empresa quer chegar a 30 mil funcionários. ?Se o negócio crescer 30%, vamos contratar na mesma proporção?, diz Hackett. Uma unidade em Curitiba e outra em Goiânia estão em planos. Hackett acredita que a Atento será a maior empregadora do País em dois anos.