04/07/2025 - 14:40
Tarifaço de Trump visava sustentar o dólar, mas aconteceu o contrário. Alta do euro e de outras moedas em relação ao dólar americano pode gerar problemas aos exportadores europeus e às offshores dos EUA.O dólar americano sofreu uma queda acentuada em 2025, caindo cerca de 13% em relação ao euro e mais de 8% em relação ao iene japonês desde janeiro. Esse enfraquecimento dramático decorre de uma tempestade perfeita de mudanças econômicas e políticas sob Trump 2.0.
Sim, o dólar estava supervalorizado após uma alta de uma década, enquanto as perspectivas de crescimento mais fortes na Europa e no Japão também fizeram com que os investidores retirassem capital dos Estados Unidos para seus mercados domésticos.
Mas a verdadeira vulnerabilidade do dólar surgiu quando o presidente dos EUA, Donald Trump, voltou ao cargo em janeiro e, dois meses depois, anunciou tarifas agressivas sobre as importações dos EUA de dezenas de parceiros comerciais, incluindo uma tarifa básica de 10% sobre os produtos da União Europeia, causando um choque nos mercados globais.
Longe de fortalecer o dólar, essas barreiras comerciais – juntamente com o temor de medidas retaliatórias de parceiros importantes como o Canadá e a China – alimentaram uma incerteza prolongada, diminuindo o apetite dos investidores pelos ativos dos EUA.
O aumento da dívida do governo dos EUA – agora em impressionantes 124% do produto interno bruto (PIB) –, os déficits fiscais persistentes e o recente rebaixamento da classificação de crédito dos EUA pela Moody’s também levantaram sinais de alerta, levando os investidores a buscarem o euro, o iene e o franco suíço, bem como o ouro, que atingiu o maior nível de todos os tempos em abril.
Força do euro e tarifas “dolorosas” para os exportadores europeus
Os fabricantes europeus estão agora lutando para se ajustar a um euro muito mais forte. Além de lidar com o novo regime de taxas de câmbio, as empresas também estão aguardando um acordo para evitar tarifas muito mais altas sobre as exportações da UE para os EUA, o que torna seus produtos menos atraentes para os consumidores e empresas norte-americanos.
O economista Gian Maria Milesi-Ferretti, membro sênior do Hutchins Center on Fiscal and Monetary Policy do think tank Brookings Institution, em Washington, acredita que a combinação do fortalecimento do euro e das novas tarifas será “dolorosa” para os exportadores europeus.
“Os preços em dólar provavelmente terão de subir e os produtos europeus perderão alguma participação no mercado dos EUA”, disse Milesi-Ferretti à DW. “O limiar da dor não dependerá apenas da taxa de câmbio, mas também das margens de lucro e de qualquer taxa tarifária que Trump decidir [com a UE].”
À medida que o prazo de 9 de julho se aproxima para evitar as tarifas de 50% ameaçadas por Trump sobre as importações europeias, os negociadores dos EUA e da UE fizeram apenas um progresso limitado. A maioria dos produtos da UE está atualmente sujeita a uma tarifa básica de 10%, com uma taxa de 25% dos EUA sobre aço, alumínio e automóveis.
O think tank Bruegel, sediado em Bruxelas, estimou recentemente que as exportações da UE para os EUA poderiam cair em até 1,1% se não houver acordo na próxima semana. Outros analistas acreditam que tarifas mais altas e um dólar mais fraco serão um golpe duplo para os consumidores e empresas dos EUA.
“Muitas das importações da UE para os EUA não são bens finais”, ressalta Thorston Beck, diretor da Escola de Bancos e Finanças de Florença. “O maquinário da Alemanha, por exemplo, é usado para produzir outros bens. Mas se essas máquinas ficarem mais caras, o mesmo acontecerá com os bens que elas produzem.”
Beck acredita que esse cenário aumentaria a inflação dos EUA e reduziria o crescimento, o que desvalorizaria o dólar ainda mais.
Setores farmacêutico e automobilístico da UE sentem
No ano passado, a UE exportou quase 532 bilhões de euros (R$ 3,39 trilhões) em mercadorias para os EUA, um aumento de 5,5% em relação a 2023, de acordo com a Eurostat, a agência de estatísticas da UE.
Os produtos farmacêuticos constituíram a maior parte, com mais de um quinto dos medicamentos fabricados na UE atravessando o Atlântico, seguidos por automóveis, maquinário industrial e aviação.
Os países da UE exportam cerca de 750 mil veículos por ano para os EUA, de acordo com a empresa de consultoria AlixPartners. Isso representa 14% do volume total de produção do setor automotivo da UE e 24% em termos de valor. Para empresas como a Volkswagen e a Mercedes-Benz, as tarifas e as questões cambiais são uma grande preocupação.
A Airbus, por sua vez, envia cerca de 12% de seus aviões para os EUA, de acordo com dados da empresa de análise e dados de aviação Cirium. Um Airbus A320neo, cujo preço é de cerca de 110 milhões de dólares (R$ 595 milhões), poderia aumentar seu preço em 10 milhões de dólares devido à valorização do euro, tornando-o menos competitivo em relação ao 737 MAX da Boeing.
Milesi-Ferretti chama atenção para outra maneira pela qual as multinacionais dos EUA também serão afetadas pela força do euro e pelas tarifas de Trump, já que muitas empresas transferiram a produção para, por exemplo, a Irlanda para pagar impostos mais baixos, acrescentando que “é provável que algumas dessas estratégias sejam revertidas”.
O euro está forte demais?
Como o ônus da dívida dos EUA continua sendo a principal preocupação dos investidores para o segundo semestre do ano, a previsão é de que o euro continue a se valorizar. O Bank of America prevê que a moeda única valerá 1,20 dólar até o final de 2026, contra 1,1759 dólar na quarta-feira. Outros são mais otimistas, com previsões como a da CoinCodex, que prevê que o euro poderá subir até 1,36 dólar até o final do ano.
Isso daria suporte à visão da chefe do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, de que o euro deve aprimorar seu papel internacional em meio ao declínio da confiança no dólar. Entretanto, outras autoridades sênior do BCE estão preocupadas com o fato de a moeda única estar se tornando forte demais.
O vice-presidente do BCE, Luis de Guindos, disse à Bloomberg na terça-feira que “devemos tentar evitar qualquer tipo de excesso” e que níveis acima de 1,20 dólar “seriam muito mais complicados” para os formuladores de políticas.
Tomasz Wieladek, economista da T Rowe Price, disse ao jornal Financial Times nesta semana que a alta do euro foi “rápida demais”, acrescentando que, se o euro chegar a 1,25 dólar neste ano, o BCE poderá cortar as taxas de juros em meio ponto percentual.
Por quanto tempo o dólar permanecerá fraco?
A previsão é de que o dólar se enfraqueça ainda mais este ano, apesar de o Congresso dos EUA ter aprovado a “One Big Beautiful Bill” na quinta-feira, estendendo os cortes de impostos de Trump de 2017 e acrescentando novos incentivos fiscais.
Espera-se que a legislação acrescente entre 3,1 trilhões a 3,8 trilhões de dólares ao déficit dos EUA ao longo de uma década. Esse aumento gera preocupações sobre a sustentabilidade fiscal, o que pode corroer a confiança no dólar e impulsionar ainda mais moedas como o euro e o iene.
Espera-se que o Federal Reserve dos EUA mantenha ou reduza as taxas de juros até o final do ano, o que tende a reduzir a atratividade dos ativos denominados em dólar.
A queda do dólar neste ano também reforçou a narrativa sobre o status do dólar como moeda de reserva mundial. Mais da metade das faturas do comércio global são cotadas em dólares, e quase 90% das transações de câmbio são feitas em dólares.
Como a China e outras nações do Brics buscam reduzir a dependência do dólar para o comércio, surgiram riscos adicionais para a força do dólar. O bloco do Brics considerou a possibilidade de lançar uma moeda comum, mas até agora tem priorizado o comércio em moedas locais, inclusive o comércio de petróleo da China com a Rússia, baseado no yuan.
Beck, que também é professor de estabilidade financeira no Instituto Universitário Europeu, sediado em Florença, na Itália, acredita que o dólar americano poderá continuar fraco após o segundo mandato de Trump. Entretanto, ele vê como uma tarefa difícil para o yuan chinês substituir o dólar americano, dizendo que “é muito difícil para ele criar a mesma confiança que o dólar tem tido por muitas décadas”.
De fato, Beck está convencido de que não haverá uma alternativa para substituir o dólar nos próximos 20 ou 30 anos. Haverá “mais fragmentação, com moedas regionais como o euro e o franco suíço assumindo papéis que o dólar costumava ter”, disse ele.