13/06/2014 - 20:00
As fortes chuvas que atingiram o Sul do País nos últimos dias deixaram quase quatro mil desabrigados, principalmente em Santa Catarina e no Paraná. A ironia é que a tragédia, que atingiu 151 cidades, permitiu ao governo respirar aliviado, por outro motivo: reduziu o risco de racionamento de energia, ao aumentar o volume de água disponível em Itaipu, a maior usina hidrelétrica do País. A situação mostra o quanto São Pedro ainda é o santo padroeiro do Ministério de Minas e Energia (MME), e o Brasil vive à mercê de contingências para assegurar o abastecimento de energia.
Entre os especialistas, cresce o consenso de que a insegurança energética só será superada quando o País se ligar, efetivamente, à sua bateria natural: a Amazônia, onde está o seu maior potencial hidrelétrico. Reduzir a região ao consagrado clichê de “pulmão do Brasil” impede que se estudem meios sustentáveis de explorar sua outra riqueza: os 80.820 megawatts (MW) de energia potencial disponível na região Norte. Isso é mais da metade dos 157.280 MW de energia hidrelétrica que o País ainda não aproveita. A própria Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao MME, propôs a exploração dessas bacias.
No Plano Decenal de Energia 2021, publicado em 2012, a EPE lista 19 hidrelétricas que devem ser desenvolvidas entre 2017 e 2021. Nove delas seriam instaladas no Norte e responderiam por 17.627 MW de potência, ou 89% do total previsto, enquanto as outras dez obras gerariam os 11% restantes. É verdade que falar de hidrelétricas na Amazônia é expor-se às ferroadas de um dos mais aguerridos vespeiros do planeta: o ambientalista. Basta lembrar a polêmica em torno da usina de Belo Monte, em construção pelo consórcio Norte Energia, no rio Xingu, no Pará.
Com capacidade para gerar cinco mil MW de energia firme, Belo Monte deve atender oito milhões de pessoas. O problema é que seu reservatório vai impactar 50 mil moradores locais. Os especialistas afirmam que é possível conciliar a geração de energia na região com a preservação ambiental. O primeiro argumento é técnico: é preciso apostar em projetos de usinas a fio d’água, menos agressivos, porque dispensam a construção de grandes reservatórios. O segundo é social: é possível formular contratos com partilha de benefícios entre as concessionárias e as comunidades atingidas por barragens, inclusive com repasse de recursos públicos.
Outro ponto igualmente espinhoso são os custos das hidrelétricas ecologicamente corretas, que podem ser 20% maiores que as tradicionais. “Uma coisa que aprendi é que as empresas não gostam de gastar dinheiro, e obras exigem dinheiro”, disse o físico José Goldenberg, ex-ministro de Ciência e Tecnologia e ex-presidente da Cesp, na última semana, ao participar do seminário Desafios da Energia, promovido pela revista IstoÉ, semanal de informações da Editora Três, que edita a Dinheiro.
Por isso, o último desafio é convencer as concessionárias de que é possível lucrar sem desrespeitar o ambiente. O problema é que o setor ainda se ressente do impacto da Medida Provisória 579, publicada em 2012, que estabelece novas regras para concessões e reduz tarifas. O texto levou as empresas elétricas a perder a confiança no governo e a pensar duas vezes em participar de novos projetos. Como remunerar os investimentos é uma discussão tão caudalosa quanto os rios da Amazônia. Enquanto não se encontra uma resposta, o País segue sem aproveitar a região, que poderia afastar de vez o risco de outro racionamento.