Felipe Guimarães ensina turistas a ficar em pé sobre uma prancha de surfe. Na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, a Amazônia – e seus problemas – estão muito distantes.

Fora do Brasil, a situação da Amazônia é vista como uma questão crucial na eleição presidencial, considerada um fator-chave para conter as mudanças climáticas.

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As queimadas e o desmatamento estão, porém, quase ausentes da polarizada campanha, e muitos eleitores têm outras preocupações além do que está acontecendo naquela vasta região, a milhares de quilômetros de distância.

“Eu nem sei, mano, está tão longe, mas é óbvio que tem muita importância, e é bom a gente estar cuidando”, reconhece Guimarães, um instrutor de surfe, de 27 anos, acrescentando, porém: “têm muitos problemas mais visíveis” do que a floresta tropical.

Muitos eleitores brasileiros citam a economia, a insegurança, a educação e a corrupção entre suas principais preocupações.

“O país possui uma desigualdade social muito grande, e estamos nos recuperando de uma pandemia, que acabou acentuando este quadro social e econômico no país e no mundo. Parte dos brasileiros, hoje, preocupa-se apenas em sobreviver a mais um dia, ter um emprego, ter alimento em sua mesa, ter acesso a um médico”, comentou Daniel Costa Matos, analista de TI, de 38 anos, em entrevista à AFP em Brasília.

Embora considere que a Amazônia “é extremamente importante”, sua maior preocupação é a corrupção.

“Eu acho que a gente está com tantas pautas urgentes nessa eleição, e o brasileiro está passando por tantos outros problemas urgentes, que a questão da crise climática, o problema do desmatamento da Amazônia ainda passam longe da realidade de muitos brasileiros”, analisa a ativista ambiental Giovanna Nader, que usa seu podcast e seu perfil no Instagram para alertar sobre a emergência.

“É preciso educar, educar, educar”, defende.

– Luta solitária –

 

Para os povos indígenas do Brasil, a luta pode ser solitária às vezes, mesmo depois de quatro anos denunciando as políticas do presidente Jair Bolsonaro como “violentas” e prejudiciais ao meio ambiente.

A maioria dos brasileiros nunca visitou a Amazônia.

“O que nos preocupa muito é que a visão dos brasileiros sobre preservação ambiental, dentro ou fora da Amazônia e em todos os biomas brasileiro, é muito superficial”, diz o coordenador-executivo da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Dinamam Tuxá.

“Às vezes nos sentimos sós, que estamos lutando contra uma força muito poderosa, que são as grandes corporações que exploram os nossos territórios, e que não há um um engajamento da população brasileira na defesa de tais direitos”, lamenta.

– Ataques pessoais e desinformação –

O desmatamento médio anual na Amazônia brasileira durante o governo Bolsonaro aumentou 75% em relação à década anterior, segundo dados oficiais.

Luiz Inácio Lula da Silva, que também tratou desse problema em seus dois governos (2003-2010), referiu-se, em algumas ocasiões, à situação da floresta durante a campanha, especialmente em visitas à região e em entrevistas à imprensa internacional.

No geral, porém, o tema esteve praticamente ausente de uma campanha marcada pela desinformação e pela extrema polarização, com episódios de violência política.

“Virou uma campanha política de ataques muito pessoais entre os dois candidatos. Tenho a sensação que a gente fala muito mais sobre ‘fake news’ do que sobre a Amazônia, por exemplo”, diz Karla Koehler, tomando sol em Ipanema.

Para esta artista de 35 anos, esta eleição “é uma questão que está além da pauta política. É quase que uma sobrevivência política, um tema muito sobre uma manutenção de direitos básicos e democráticos”.

Os críticos de Bolsonaro veem-no como uma ameaça à democracia, após um governo marcado por mais de 680 mil mortes durante a pandemia da covid-19, por ataques ao Poder Judiciário e à imprensa e por sugestões de que não aceitaria a derrota nas urnas.

Lula continua, por sua vez, com a imagem manchada pelo escândalo de corrupção que o levou à prisão por 18 meses, antes de a sentença ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Hoje, mais de 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil, 73% a mais do que em 2020, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar. Cerca de 11 milhões são analfabetos, de acordo com dados oficiais.

O Brasil também tem uma das maiores taxas de criminalidade do mundo, com 47.503 assassinatos em 2021, embora o número tenha sido o menor em uma década, segundo a ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“O desafio é fazer as pessoas e os governantes entenderem que a pauta ambiental está diretamente ligada a estes fatores, como a fome, a falta de moradia, o crime e a crise econômica. Um clima extremo irá dificultar a produção de alimentos, fazendo com que o preço da comida no prato do cidadão fique ainda mais caro”, explica Marcio Astrini, do Observatório do Clima, uma coalizão de grupos ambientalistas.