15/12/2025 - 11:59
Trabalhadores informais contam como é o cotidiano num dos maiores polos de comércio popular do país.Ainda é madrugada e as ruas do Brás, em São Paulo , já estão repletas de ambulantes e compradores, na chamada Feirinha da Madrugada. Às 6h, uma nova “turma” chega e todo o ciclo de arrumações, montagens, vendas, gritos, músicas e desmontagens recomeça. Entre essa movimentação toda está o potiguar Pedro Santos Neto, de 61 anos.
“No Brás, qualquer coisa que você colocar para vender, vende. Bolo, roupa, sapato… cada ambulante se adapta”, conta. Para quem chegou à cidade em 2020 com pouco mais de R$ 1 mil no bolso, a informalidade virou não só a principal fonte de renda, mas a melhor opção para o vendedor que estudou pouco e começou a trabalhar cedo.
O Brás concentra uma densidade de gente e mercadoria que ajuda a explicar o peso da informalidade na economia brasileira. Associações de comerciantes e ambulantes falam em algo como 15 mil lojas e cerca de 20 mil vendedores de rua dividindo calçadas, esquinas, vielas e galerias da região. Nos dias comuns, quase meio milhão de pessoas circula pelo bairro. Nas semanas que antecedem o Natal, esse fluxo pode passar de um milhão.
Quando a rua paga mais
Recém-chegado em São Paulo, Santos Neto se instalou no Brás e percebeu que o bairro oferecia algo que para ele não aparecia em vagas formais: possibilidade de crescimento rápido, mesmo partindo do zero.
Em um dezembro de vendas fortes, conseguiu juntar o suficiente para comprar um barraco próximo aos trilhos da CPTM no Jaraguá. “A maioria dos salários que eu vejo, dos empregos que aparecem, é R$ 2.200 no máximo. Eu não ia ganhar isso, com a escolaridade que tenho”, conta.
Ele lembra de conhecidos que abandonaram empregos concursados na saúde para migrar para o Brás, onde a renda mensal acabou permitindo comprar carro e apartamento. Algo impensável, segundo ele, permanecendo no salário fixo.
Esse tipo de trajetória ajuda a entender por que a informalidade segue alta . Entre 2023 e 2024, a taxa anual de informalidade recuou de 39,2% para 39%, apesar da queda do desemprego e recordes de empregos com carteira assinada no país. O preço, porém, é não contar com 13º salário, férias, licença médica ou Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Se Santos Neto adoece, não vende. Se não vende, não come. O risco é calculado todos os dias.
Quase meio século no Brás
Se Santos Neto representa uma nova leva da informalidade, Vânia Maia é memória viva do bairro. Ela trabalha no Brás há 47 anos. Conta que quando começou, eram 56 camelôs. “Isso aqui era um deserto. Depois começou a surgir camelôs, e hoje é o maior circuito de compras”, diz.
Na visão dela, o comércio de rua não é um problema, mas faz parte do motor que faz o bairro girar – inclusive alimentando as lojas formais que se beneficiam do fluxo de compradores atraídos pelos preços mais baixos dos ambulantes.
Maia também fala do custo físico e emocional do trabalho: longas horas em pé, sob sol e chuva, carregar as mercadorias, correr do “rapa”. Em segundos, uma rua abarrotada pode se esvaziar enquanto passam as equipes da Guarda Civil Municipal, da Polícia Militar, e da empresa Hiplan, contratada pela prefeitura pelo serviço.
“É uma mão de obra terrível, não é para qualquer um. A pessoa está aqui porque precisa. Você acha que se eu tivesse um emprego decente, ia estar aqui levando sol, chuva, humilhação?”, desabafa Maia.
Amiga de Maia, Francisca dos Santos está há quatro meses sem autorização para trabalhar e se emociona. “É muito triste a esta altura da vida ser tão humilhada justo por quem deveria nos proteger e apoiar”, chora. “Nós não estamos pedindo nada demais; trabalhar é só o que a gente quer.”
Direito ao trabalho
O que Santos chama de “não pedir nada demais” resume boa parte das pautas do movimento de ambulantes: direito de trabalhar sem violência, regras claras sobre onde e como montar banca, possibilidade real de obter licenças, os chamados Termos de Permissão de Uso, e, para quem é imigrante, acesso a políticas que não os coloquem automaticamente sob suspeita.
Para conseguir a permissão de trabalho, o licenciamento deve ser obtido pelo sistema Tô Legal. Para fazer o cadastro, o ambulante precisa ter a Senha Web e o Cadastro de Contribuintes Mobiliários (CCM), além de pegar uma taxa que varia por região escolhida. A autorização inicial é válida por 90 dias, mas pode ser renovada. A emissão de autorizações depende ainda da quantidade de cadastrados na região escolhida.
O prazo reduzido é um dos principais pontos de crítica de ambulantes e entidades, que apontam o caráter precário das permissões e explicam, em parte, a baixa adesão ao programa.
A Prefeitura de São Paulo informou ainda que a cassação do Termo de Permissão de Uso pode ocorrer em situações como não iniciar a atividade em até 30 dias após a emissão do documento, utilizar aparelhos sonoros para vendas, trabalhar sem camisa ou praticar jogos no local de trabalho.
Segundo a prefeitura, cerca de 11 toneladas de mercadorias são recolhidas mensalmente na área abrangida pela Subprefeitura da Mooca, e a gestão diz manter diálogo constante com representantes dos ambulantes do Brás. A DW solicitou entrevista com o subprefeito da Mooca e com o secretário de Subprefeituras de São Paulo, mas os pedidos não foram atendidos até a conclusão desta reportagem.
