O clima nublado na economia mundial – criado pela combinação nefasta de guerra na Ucrânia, inflação, juros em alta, falência de bancos e risco de recessão nos países desenvolvidos criou uma tempestade global que deve atingir com vigor o crescimento do PIB da América Latina e o Caribe neste ano. A previsão de um ano difícil para a região partiu do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e sinaliza que, para esse volume de chuva, não estamos preparados. Isso porque as incertezas em relação à capacidade de contra-ataque dos governos e dos bancos centrais no Brasil e seus vizinhos colocam toda a economia local em modo de espera, dificultando uma retomada expressiva (e tão esperada) no pós-pandemia. Por essa razão é que a instituição prevê um crescimento econômico de apenas 1%. Para o economista-chefe do BID, Eric Parrado, o ambiente internacional criou um ambiente de grande complexidade para os latinos. “O cenário global amplificou as incertezas”, afirmou o especialista, em seu Relatório Macroeconômico 2023, apresentado no Panamá no domingo (19).

O cálculo de expansão de 1% para a riqueza latino-americana pode ser considerado muito pessimista se comparado com outras projeções recentes. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima alta de 1,8% para a região, enquanto o Banco Mundial fala em 1,4% e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe das Nações Unidas (Cepal) 1,3%. O BID justifica que a perspectiva se deteriorou depois do derretimento de dois bancos nos Estados Unidos, o Silicon Valley Bank e o First Republic, além do gigante suíço Credit Suisse, comprado pelo maior concorrente até então, o compatriota UBS.

Mesmo na dificuldade, o BID avalia que a situação céu deve começar a se abrir em 2024, com um crescimento de 1,9% – isso se a crise bancária não causar novas chuvas por aqui. 1,9%.

1,9% é a projeção de avanço do pib da Região ano que caso o clima no resto do mundo melhore

3,9% foi a alta do PIB local em 2022, diante de incentivos dos governos e bancos centrais para retoma da da economia após a covid

A divulgação dos dados do BID para a América Latina, com a participação de 48 países membros do banco, foi acompanhada de perto pelo brasileiro Ilan Goldfajn, presidente da entidade, empossado há dois meses. Goldfajn avaliou as perspectivas econômicas da região estão ofuscadas por um fenômeno que ele chamou de crises sobrepostas. “É de vital importância que hoje pensemos nesses desafios que vão além dos países individualmente, são problemas regionais e globais”, disse o economista, que já pilotou o Banco Central do Brasil entre 2016 e 2019. Goldfajn afirmou que os governos da América Latina e do Caribe precisam focar em políticas públicas de distribuição de renda e combate à pobreza e à desigualdade, o que ele chamou de pragas históricas. “É o caminho para aumentar a produtividade e acelerar o crescimento, com recursos escassos.”

O baixo crescimento da América Latina e Caribe não é reflexo apenas do alinhamento dos astros internacionais em uma chuva tropical, mas ainda um efeito-colateral prolongado da pandemia. É o que afirma o economista Fernando Bento, CEO e sócio da FMB Investimentos. Para ele, a região deve crescer pouco dada a enorme ressaca econômica originada com a Covid.

Nos Estados Unidos, cita ele, os juros estão subindo porque ainda há pressão sobre os preços iniciada nos lockdowns. Soma-se a isso, a conjuntura adversa na Europa, que deve também desidratar os recursos financeiros para a América Latina. “Para acelerar o crescimento, os países da América Latina devem realizar reformas na economia, favorecendo um melhor ambiente de negócios e a participação da iniciativa privada”, disse.

DILEMA FISCAL Já o diretor do fundo Fundraising FCJ, Isaac Ivanoff, o modesto crescimento apontado pelo BID para a região se explicam também por fenômenos como a elevação da dívida pública, o fechamento de empresas, a insegurança alimentar, os abalos no setor energético, o aumento de desemprego e a redução nas receitas fiscais. “Posso afirmar que a América Latina tem sido duramente afetada, pois ainda enfrenta fortes desafios para retomar o crescimento sustentado”, disse Ivanoff. “Já podemos observar um marcante aumento da pobreza e desigualdade, pela não geração de novas oportunidades de emprego e renda por uma menor demanda de mão-de-obra”, afirmou.

E com essa tempestade se formando no horizonte e alimentada por fatores internos e externos o professor de Relações Internacionais da ESAMC Guilherme Meireles cita ser natural a desconfiança no mercado. “E isso pode causar a diminuição de investimentos produtivos em países subdesenvolvidos”, disse. E uma saída seria a maior integração dos latinos. “E assim criar ações coordenadas para combater os efeitos da crise internacional.” Seria uma forma de construir um imenso guarda-chuvas regional para amenizar o impacto das próximas tempestades.