SÃO PAULO (Reuters) -Problemas contábeis revelados pela Americanas na véspera resultaram na perda de valor de mercado de cerca de 8,4 bilhões de reais nesta quinta-feira, com investidores assustados com a cifra de 20 bilhões de reais em “inconsistências” encontradas pela empresa.

O escândalo contábil em uma das maiores varejistas da América Latina, que precipitou as renúncias de seus recém-empossados presidente-executivo e vice-presidente financeiro, disparou receios sobre contágio em outras empresas do setor e de efeitos sobre bancos credores da Americanas, que afirmou que no curto prazo não vê impacto relevante sobre seu caixa.

As ações da Americanas encerraram a sessão em queda de 77%, a 2,72 reais, ante um recuo de 0,6% do Ibovespa.

“Vamos entrar na Justiça. Inicialmente vamos à CVM para que seu corpo técnico investigue e vamos pedir que essa investigação seja estendida à auditoria”, disse à Reuters Aurélio Valporto, presidente da Abradin, associação de minoritários de empresas.

“Isso é um absurdo total. A falha dos auditores, a mesma empresa que auditava a Petrobras e não detectou as fraudes bilionárias é a mesma que auditou a Americanas”, disse Valporto.

Procurada mais cedo, a PwC, responsável pela auditoria nas contas da Americanas, não comentou.

O agora ex-presidente da Americanas, Sergio Rial, afirmou mais cedo durante uma tumultuada conferência fechada promovida pelo BTG Pactual que houve nos balanços dos últimos anos erros no registro de descontos na linha de despesas com fornecedores e em juros derivados de operações de “risco sacado”, uma antecipação de recebíveis dos varejistas junto aos bancos.

Porém, Rial afirmou que até “onde pôde ver” durante os nove dias em que foi presidente-executivo da Americanas “todas as dívidas foram pagas, os fornecedores foram pagos”.

Como referência, o patrimônio líquido da Americanas no fim de setembro era de 14,7 bilhões de reais.

Diante do escândalo, a Comissão de Valores Mobiliários, órgão que fiscaliza o mercado de capitais brasileiro, abriu dois processos para investigar a empresa.

A Americanas divulgou um fato relevante na noite da véspera e não deu mais detalhes nesta quinta-feira além de anunciar os nomes dos membros do comitê independente para apurar as contas da empresa: Otávio Yazbek, Vanessa Claro Lopes e Pedro Melo.

Na conferência organizada pelo BTG Pactual antes da abertura dos mercados, Rial afirmou que 3 mil pessoas tentaram acessar a conferência que tinha capacidade de acesso limitado a 1.000.

CAPITALIZAÇÃO

Em tom descontraído, Rial tentou mostrar que a varejista ainda é viável. Mas ressalvou que a empresa precisará de um aumento de capital significativo, sem fazer projeções sobre a dimensão do aporte que os acionistas terão de fazer na empresa.

“Ninguém definiu um número…Tão longo a gente tenha (clareza sobre a situação) a gente vai definir o que é necessário. O que é importante agora é manter a empresa funcionando”, disse o executivo.

Rial segue como assessor dos acionistas de referência da Americanas, que incluem os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira e que, segundo ele, estão comprometidos em apoiar a companhia como fizeram no follow on de cerca de 8 bilhões de reais realizado em 2020.

Rial afirmou que no curto prazo não vê impacto no caixa da companhia, mas que isso depende de se os bancos credores “não decidirem acelerar a dívida, aí vai ser historia judicializada”.

Segundo ele, a Americanas tem cerca de 9 bilhões de reais em caixa e poderá gerar um lucro operacional medido pelo Ebitda de 1,5 bilhão a 1,7 bilhão de reais “neste ano”, ante 3,3 bilhões de reais em 2021. A dívida bruta de cerca de 30 bilhões de reais é de longo prazo em sua maior parte, disse o executivo.

“Vai ter um capex (investimento) menor, vai ser capaz de gerar mais capital de giro do que em 2022, não vai ser capaz de pagar despesas financeiras em sua totalidade e portanto vem aqui a necessária infusão de capital”, disse Rial. Ele incluiu entre as opções um eventual “movimento estratégico” que pode abrir “oportunidade para redesenhar algumas coisas no setor”.

CORRETORAS REVISÃO

Após o anúncio, várias corretoras puseram as recomendações para a ação da Americanas em revisão. O Bradesco BBI classificou o episódio como “inconsistência contábil considerável e sem precedentes” e considerou a notícia “bastante negativa”.

A XP Investimentos citou que a saída de Rial, que enxergava como pilar importante para sustentar o processo de transformação da Americanas, representa um risco para a tese de investimento na empresa, enquanto o escândalo contábil pode implicar maior alavancagem e riscos de processos judiciais nos Estados Unidos.

Já o Citi considerou que a “claramente, este ainda é o começo de uma longa e complexa história”. O Morgan Stanley retirou a recomendação “overweight” para as ações da Americanas.

Para a BB Investimentos, as chamadas operações de risco sacado são comuns no setor varejista e a transparência das informações divulgadas pode variar de companhia para companhia.

(Reportagem Paula Arend Laier, Tatiana Bautzer e Rodrigo Viga Gaier; reportagem adicional Aluísio Alves, edição Alberto Alerigi Jr.)