30/01/2023 - 11:10
‘Fraudador’, ‘leviana’, ‘irregular’. Foram vários os adjetivos já direcionados para a Americanas SA e seus maiores acionistas desde 11 de janeiro, quando a varejista anunciou rombo de R$20 bilhões. Após garantirem a recuperação judicial para a holding, o trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira tem os nomes e o 3G Capital na mira de bancos e outros credores com maus olhos, diante das suspeitas de negligência e falha na governança.
Os sócios são donos, hoje, de um patrimônio que soma R$160 bilhões, bem acima do suficiente para cobrir a dívida da empresa, que é de R$43 bi. Há quem acredite, inclusive os credores mais prejudicados, que o trio é o principal responsável pelo rombo. A governança, conjunto de regras e práticas que regem a empresa, foi abalada, conforme acreditam especialistas.
+ “Cria” da Americanas, São Carlos já tem valor quase igual ao da rede
A Istoé Dinheiro conversou com analistas em Direito e Governança para trazer a reflexão sobre o caso. Faltou ética do trio em relação a Americanas? Veja abaixo:
Lemann, Telles e Sicupira deveriam saber do rombo e não fizeram nada para contê-lo? Ou sabiam e não contaram ao mercado?
Leonardo Roesler, sócio-fundador da RMS Advocacia e Consultoria, aponta que uma das obrigações dos investidores é saber o que se passa na gestão da empresa. “O BTG Pactual, por exemplo, acusa o trio de investidores de referência da Americanas de se beneficiar há anos do que chama de fraude contábil na companhia; não apenas acreditam ser quase impossível que o trio não soubesse de nada como comentam também que outros envolvidos próximos deixaram a coisa toda acontecer, com o intuito de não mexer com gente importante no mercado”, explica.
Voltando um passo atrás: o que se tem informação até agora foi através de operação de risco sacado. Por trás da dívida com fornecedores, existia uma conta de juros com os bancos. “O que pode ter sido feito foi ‘para melhorar resultados, vamos tirar um pedacinho da dívida, que são os juros, e ano próximo ano, se pagam os fornecedores e os juros totais’. Só que isso pode ter sido feito ao longo de anos, e a conta de juros chegou a valores exorbitantes”, avalia Denis Medina, economista e professor da Faculdade do Comércio de SP.
Para ser feito isso, precisa ter consentimento e participação do departamento financeiro, da controladoria, da contabilidade, auditoria, entre outros. As informações sobre práticas maiores, como resultados e fechamentos, devem ser de conhecimento dos acionistas.
Neste caso, para ele, há sim indícios de erro – da diretoria, conselho de administração e transparência, de governança.
Tais erros apontam negligência (na gestão ou na transparência) e, portanto, descaso com acionistas minoritários e credores?
“O erro de acionistas em ocultar informações ou desconsiderar os interesses dos acionistas minoritários é uma violação dos direitos desses acionistas e pode levar a decisões de investimento equivocadas. Isso pode prejudicar a imagem da empresa e sua confiança no mercado, bem como resultar em ações judiciais e sanções regulatórias. É importante que as empresas mantenham transparência e integridade nas suas comunicações e ações para garantir a proteção dos direitos de todos os acionistas”, defende Roesler.
E se o erro de governança tiver sido induzido?
Segundo Medina, “existem duas classes de ações em empresas: as ordinárias, que é de quem dita as ordens, com maior poder de decisão; e as preferenciais, que tem preferências no recebimento de algum saldo em caso de liquidação da companhia. Mas quem toma as decisões são os detentores de ações ordinárias, presentes no conselho de administração. Assim, os preferenciais ficam prejudicados.”
Se tipificado como uma dessas situações, até que ponto a Justiça pode bloquear fortuna pessoal do trio?
Medina defende que, em caso de provas que houve intervenção do trio nessas demonstrações da Americanas – induzidas ou de maneira conivente -, os acionistas de referência (Lemann, Telles e Sicupira) podem ser acusados de fraude e devem pagar por ela. Mas para o bloqueio de bens ainda é cedo para dizer. Diante do patrimônio que poderia custear as dívidas, seria possível um bloqueio parcial.
“Se for comprovado que os acionistas ocultaram informações relevantes, a Justiça pode impor sanções, incluindo a possibilidade de bloquear seus bens. O grau de penalização dependerá da gravidade da infração. Além disso, os acionistas responsáveis também podem ser condenados a pagamento de indenizações aos investidores prejudicados”, afirma Roesler.
É importante ressaltar que o processo de investigação e julgamento deve ser conduzido de forma justa e imparcial para garantir a proteção dos direitos de todas as partes envolvidas.
Na prática, a lei determina que, esgotado o patrimônio da empresa, os bens dos sócios sejam bloqueados para assegurar o pagamento de indenizações, obviamente comprovada a participação dos sócios pela fraude contábil.
Quem recebe primeiro na recuperação judicial? Os pequenos acionistas?
Na recuperação judicial, os credores são reembolsados de acordo com a prioridade estabelecida por lei. “Os pequenos acionistas geralmente se encontram no final da fila, atrás de credores com garantias reais, trabalhistas e fiscais. Isso significa que, em caso de insuficiência de recursos, os pequenos acionistas podem não ser reembolsados”, explica o advogado da RMS Advocacia e Consultoria.
Conforme outros processos já existentes, Medina orienta que a ordem seja:
- Quem recebe primeiro – os trabalhadores. Dívidas trabalhistas ou demissões com parcelamento de pagamento na Justiça;
- Após, vem os credores quirografários, fornecedores e bancos;
- Credores minoritários.