DINHEIRO ? O que o traz ao Brasil?
LADD SANGER
? Vim pelo meu escritório representar as famílias que perderam seus entes queridos na queda do avião da Gol.

DINHEIRO ? Qual o diferencial do seu escritório?
SANGER
? Meu escritório começou com Tom Davis, o pai da ?Aviation Law? (legislação aérea) nos Estados Unidos. Nossa trajetória está atrelada à tradição da aviação. Um dos sócios, o ?Rusty?, foi comandante da escola Top Gun. Mike Slack é engenheiro aeroespacial e projetou parte dos ônibus espaciais da Nasa. Eu mesmo sou piloto desde os 16 anos e, com o tempo, fui acumulando várias licenças. Depois que obtive minha formação em Direito e me especializei, acompanhei centenas de acidentes por todo o mundo. Juntos, formamos uma boa equipe. As chances de vitória são maiores quando se tem especialistas no escritório.

DINHEIRO ? Membros da associação de famílias das vítimas do vôo 1907 reclamam do assédio de advogados. Como foi a abordagem da Slack & Davis?
SANGER
? Minha abordagem é deixar que as pessoas venham a mim. Acho que pensam na experiência que meu escritório traz e nos resultados que alcançamos para outros familiares. Não apelamos para publicidade na TV e jornal. Deixo nossas vitórias falarem por si.

DINHEIRO ? Então foram as próprias famílias que o contataram?
SANGER
? Sim. Os advogados de confiança dessas pessoas foram pesquisar os escritórios disponíveis com conhecimentos de aviação nos Estados Unidos. Fui chamado por causa do meu envolvimento na indústria e dos outros casos que cuidei. Há ainda as referências dos clientes satisfeitos.

DINHEIRO ? Quantas famílias vai representar?
SANGER
? No momento, represento seis famílias e estou para fechar com mais seis. Tenho conversado com outras que ainda não se decidiram.

DINHEIRO ? Por que os casos estão sendo processados nos Estados Unidos e não no Brasil?
SANGER
? Porque o avião da Excel Aire, tripulado por pilotos norte-americanos, foi pelo menos parte significativa do que causou esse acidente. Eram norte-americanos utilizando o espaço aéreo brasileiro. Eles mataram brasileiros inocentes. As pessoas naquele avião da Gol não fizeram nada de errado. Não podemos trazê-las de volta. Então, as famílias devem ter a oportunidade de processar seu caso onde melhor obtenham o único retorno possível: as indenizações. Nesse caso, nos Estados Unidos, porque as compensações lá são significativamente maiores.

DINHEIRO ? Quais são as empresas envolvidas no processo?
SANGER
? Excel Aire, Honeywell (a fabricante do transponder). Alguns incluem a Boeing. Não vejo nada que sustente um caso contra a Boeing.

DINHEIRO ? E quanto à Gol e a Embraer?
SANGER
? Teremos que ver. Não tenho fatos suficientes para afirmar que parcela de culpa é atribuída à Gol. Também não vejo nenhuma culpa da Embraer.

DINHEIRO ? Afinal, de quem é a culpa?
SANGER
? Provavelmente, não houve apenas um culpado. Por fim, a responsabilidade de ver e evitar a outra aeronave recai sobre os pilotos. A tecnologia em ambos os aviões era de ponta. Infelizmente, esses equipamentos não funcionaram como deveriam. Precisamos saber por quê. Não gosto de especular. O que posso dizer é isso: o Embraer estava a uma altitude anormal. Portanto, os pilotos deveriam pensar bem em por que estavam lá.

DINHEIRO ? O sr. não citou o controle de tráfego. O relatório preliminar indicou que há ?pontos cegos? no espaço aéreo brasileiro monitorado por radar e que o equipamento é obsoleto. Isso não sugere que as autoridades têm responsabilidade sobre a tragédia?
SANGER
? Acho que não. Isso é uma questão tecnológica. É impossível dos pontos de vista tecnológico e financeiro cobrir o mundo inteiro com radar. Como indústria, a aviação internacional precisa ser pró-ativa, trabalhar em conjunto para usar a tecnologia mais avançada e tentar tornar esse espaço mais seguro.

DINHEIRO ? Após o acidente, veio a público que esses controladores trabalham demais, têm a rotina muito estressante e não recebem bons salários. E se foi erro humano?
SANGER
? Essa tragédia não teria acontecido se não houvesse erro humano. Não posso afirmar onde ele ocorreu. E a profissão de controlador é mesmo estressante, seja aqui, nos Estados Unidos, ou em qualquer lugar. A tecnologia pode ajudar a reduzir esse estresse. Não posso alegar nada antes de reconstruir o acidente.

DINHEIRO ? É comum os controladores serem afastados de seus postos após um acidente?
SANGER
? Não é incomum. Mesmo que não tenha feito nada de errado, o fato de ter controle sobre aqueles aviões pode pesar muito na consciência.

DINHEIRO ? Sem que se soubesse nada sobre o acidente, Joe Lepore e Jan Paladino (pilotos do Legacy) foram imediatamente retidos e expostos a julgamento popular e da mídia. A defesa alega que são vítimas de discriminação. Qual é a sua avaliação?
SANGER
? Precisamos ser muito cuidadosos quando tratamos da criminalização em acidentes aéreos. Se pilotos são sujeitos a penas criminais e detidos tão rapidamente, isso influenciará o processo de investigação. Não acho que seja necessário mantê-los sob prisão domiciliar aqui. Eles deveriam poder voltar para suas famílias. Tenho certeza de que estão traumatizados. Mas eles precisam dar as suas garantias de que, se necessário, voltarão ao Brasil e colaborarão com o inquérito e a investigação.

 

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“Não tenho fatos suficientes para atribuir a culpa do acidente à Boeing, Embraer ou Gol”

 

DINHEIRO ? É comum pedir ou forçar os pilotos envolvidos a permanecer no lugar?
SANGER
? Segundo minha experiência, não é típico manter os pilotos contra a sua vontade.

DINHEIRO ? O sr. sente transparência por parte das autoridades?
SANGER
? Nos Estados Unidos, a FAA investiga as quase-colisões e libera os dados. É questão de informação pública. No Brasil, elas são tratadas como segredo.

DINHEIRO ? Os dois militares que alertaram sobre a fragilidade do sistema foram afastados…
SANGER
? Pois é, o público deveria ter acesso e saber dos riscos.

DINHEIRO ? Quanto à Honeywell, eles admitem que o transponder do Legacy estava desligado, mas afirmam que não há evidências de mau funcionamento…
SANGER
? Isso requer algumas explicações. Se a chave estava na posição de desligado, fica claro que os pilotos assim deixaram. Surge o questionamento sério: por que eles desligaram?

DINHEIRO ? Mas eles dizem que não desligaram…
SANGER
? E esse é o outro ponto. Se não desligaram, então havia, sim, um defeito no transponder.

DINHEIRO ? São informações básicas para construir o caso. Como é possível ainda haver esses relatos conflitantes?
SANGER
? A questão é: se a Honeywell diz que não estava com defeito, como é que sabem disso? É a palavra dos pilotos contra a da Honeywell.

DINHEIRO ? Seu escritório patrocina todos os custos da ação, em troca de um percentual do êxito no final. Qual o risco para vocês?
SANGER
? Sim, trabalhamos dessa forma. E investimos muito dinheiro na ação. Mas, mais do que isso, investimos tempo. Só posso trabalhar em algumas ações por vez. E meu escritório é bem seletivo quanto aos casos em que trabalhamos. Se vamos investir nosso dinheiro, acreditamos que será bem-sucedido para os clientes. Há vários fatos nesse caso que me levam a acreditar que houve uma parcela de culpa dos pilotos do avião da Embraer e da Excel Aire.

DINHEIRO ? Como são calculadas as indenizações?
SANGER
? Nos Estados Unidos, um júri divide entre os réus a porcentagem de responsabilidade. Depois, avalia que quantia irá compensar de forma justa as famílias das vítimas pelos danos econômicos, morais, etc.

 

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“Não acho necessário manter os pilotos do Legacy sob prisão domiciliar”

 

DINHEIRO ? E vocês têm uma porcentagem preestabelecida do que receberão?
SANGER
? Isso é levado a discussão, porque cada caso é diferente. Trabalho com advogados brasileiros. Se a família tem um advogado que é amigo ou conselheiro, firmo parceria com ele e dividimos o montante com base no volume de trabalho que antecipamos. Não dá para precisar uma porcentagem X.

DINHEIRO ? Quanto tempo acha que o caso vai durar?
SANGER
? Essa é uma pergunta difícil porque não sabemos onde o caso vai cair nos Estados Unidos. No momento, eu e as famílias não temos acesso às informações. Quando tivermos, conduziremos nossa própria investigação. Uma expectativa razoável é que o caso seja resolvido em 18 ou 24 meses.

DINHEIRO ? A situação nos aeroportos brasileiros, provocada pela operação-padrão dos controladores, é reflexo do acidente. Alguns órgãos de defesa do consumidor instruem os passageiros a entrar com ações contra as empresas aéreas. Mas a culpa é delas?
SANGER
? Não podemos atribuir culpa para resolver o problema. Precisamos investir em tecnologia e mão-de-obra. É imprescindível que o Brasil tenha uma infra-estrutura aeronáutica confiável. O governo precisa trabalhar com as companhias. E os controladores, embora cansados, precisam entender que estão afetando todos os brasileiros, ferindo a indústria e prejudicando as próprias empresas. Deviam fazer uma auto-análise crítica de quais são os problemas e como superá-los. A operação-padrão não é a melhor saída.

DINHEIRO ? O sr. enfrentou a situação pessoalmente?
SANGER
? Sim, em primeira pessoa. Minha viagem pelo Brasil tem sido um desafio. Fiquei cinco horas em três aeroportos e a companhia perdeu a minha bagagem.