No lançamento da candidatura de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição, em 24 de julho, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não estava presente. Na ocasião, Bolsonaro prometeu manter o Auxílio Brasil com valor de R$ 600 para 2023, citando o ministro da Economia como avalizador da proposta.

“Conversei com o ministro Paulo Guedes, esse valor será mantido no ano que vem”, declarou o presidente, que estava acompanhado de líderes do Centrão como Arthur Lira (PP-AL) e Ciro Nogueira (PP-PI).

A ausência de Guedes no evento não surpreendeu muitos analistas políticos. Nos últimos anos, o “superministro” foi perdendo cada vez mais espaço no governo. A responsabilidade fiscal e as pautas liberais que ele defendia foram substituídas pelo gasto público e por um populismo econômico que têm no Centrão um de seus principais representantes.

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Segundo analistas ouvidos pela DW Brasil, a incapacidade de Guedes de implementar uma agenda liberal acabou por minar a confiança do mercado financeiro no governo Bolsonaro. Mesmo que ele ainda goze de certo prestígio junto a esse público, poucos acreditam que ele será capaz de mudar o viés populista que vem marcando as decisões econômicas na gestão atual.

Promessas não cumpridas

Nas eleições de 2018, Bolsonaro se referia a Paulo Guedes como o “Posto Ipiranga”, que teria respostas para todos os problemas econômicos durante seu mandato. Entre as promessas do atual ministro estavam a privatização “de todas as estatais”, a arrecadação de R$ 1 trilhão com a venda de imóveis da União, reformas estruturais e zerar o déficit fiscal do governo.

Quatro anos depois, pouco foi cumprido. Das grandes estatais, apenas a Eletrobras foi privatizada. Já a venda de imóveis gerou apenas R$ 675 milhões, cerca de 0,06% do total prometido. A Reforma Tributária não saiu do papel. Já a Reforma da Previdência, sim, mas em moldes muito parecidos com os que foram delineados no governo Temer – e mesmo sua aprovação contou com o empenho da liderança do Congresso.

Com a campanha à reeleição se aproximando, Bolsonaro resolveu se fiar aos gastos públicos em auxílios como forma de reverter sua desvantagem nas pesquisas. Articulada pelo presidente e pelo Centrão, a PEC Kamikaze foi aprovada negligenciando o teto de gastos. Só para esse projeto, chamado de “PEC da Bondade” pelo próprio Guedes, o governo prevê gastos de R$ 41,25 bilhões para o ano que vem.

O “Posto Ipiranga” implodiu

Pouco sobrou do “Posto Ipiranga” de 2018. Principalmente nos últimos anos, a imagem do ministro se deteriorou. Segundo Bruno Komura, analista de mercado da Ouro Preto Investimentos, apesar de ter conseguido emplacar algumas pautas positivas para o mercado, como a Reforma da Previdência e o congelamento dos salários dos servidores durante a pandemia, o “Posto Ipiranga” implodiu.

“Implodiu, sim. Não vai ter volta. Dadas as atitudes do Bolsonaro, é muito difícil reestabelecer essa credibilidade que ele tinha no começo. Por mais que tenha uma renovação, a gente acredita que vai ser muito mais do mesmo”, diz.

Segundo Komura, um dos maiores problemas da gestão de Guedes foi a flexibilização do teto de gastos e o aumento das despesas públicas. “Foi uma quebra de expectativa, e bastante negativa”, afirma.

A analista-chefe da consultoria financeira Goes Invest, Tatiana Goes, pondera que a escolha por estourar o teto de gastos foi necessária devido ao impacto da inflação mundial causada pela pandemia. Ela, no entanto, diz que a inabilidade política de Guedes fez com que as figuras do Centrão começassem a ditar as regras na economia.

“(Guedes) ainda representa essa âncora de credibilidade política, porque ele tem esse discurso de responsabilidade fiscal, de uma política monetária sólida”, afirma Tatiana Goes. “Mas ele perdeu bastante força durante os últimos anos de governo e não sei se tem a mesma representatividade política do início.”

Segundo a analista, essa credibilidade foi mantida “apesar das bobagens que ele fala”. “A imagem do Bolsonaro fica muito pior sem o Guedes”, ressalta ela.

Efeito em 2018 não funciona mais

Para a cientista política Carolina Botelho, Guedes simplesmente perdeu a função que tinha para Bolsonaro em 2018. Segundo ela, a pauta de responsabilidade fiscal, que estava em voga nas eleições passadas, saiu do debate político.

“Em 2018, havia na população uma ideia de que precisávamos resolver dilemas fiscais e que não podíamos cair no problema do gasto, do orçamento público inchado”, diz a pesquisadora do Doxa/IESP da UERJ e do SCNLab da Universidade Mackenzie.

Apesar de Bolsonaro nunca ter defendido a responsabilidade fiscal, acrescenta a professora, essa bandeira e a associação com Guedes fez o então deputado se encaixar na conjuntura política. “O mercado financeiro e as elites econômicas entenderam que a figura dele (Guedes) seria capaz de dar um respaldo fiscalista ao governo”, diz Botelho. “Mas o Guedes nunca conseguiu cumprir esse papel e nem sei se ele é capaz de fazer isso porque ele foi se mostrando totalmente inábil”, pontua.

“Se, em 2018, muita gente estava com ele [Guedes], por mais que tenham ganhado dinheiro, essa troca de narrativa dele – uma hora é liberal e outra hora entrega tudo de auxílio –, impõe uma dúvida e uma incerteza institucional política e jurídica que, no médio prazo, traz problemas”, diz.

Além disso, Botelho sublinha que a escolha de Bolsonaro por “esconder” o ministro, como no lançamento da sua candidatura, tem a ver com a perda de prestígio do governo. Para tentar se fortalecer, o presidente prefere se unir aos setores mais radicalizados e ao Centrão, e não a uma ala “liberal” que não embarcaria em um arroubo golpista. “Faz mais sentido ele gastar cartucho com o grupo que ainda o apoia do que com os que estão saindo”, diz.

Legado?

Para Komura e Goes, no entanto, nem todo o trabalho de Guedes deve ser jogado no lixo. Os analistas do mercado financeiro citam, por exemplo, o congelamento de salários do setor público e a Reforma da Previdência como pontos positivos da gestão do ministro da Economia. “A Reforma da Previdência foi positiva. Ele também conseguiu fazer muitas mudanças trabalhistas. Hoje, é menos difícil para o empresário”, diz Goes.

“Foi extremamente importante congelar o aumento de salário no setor público. Estamos vendo agora a arrecadação vindo muito forte, e a parte dos custos não subiu muito porque os salários não foram reajustados, e isso ajustou bastante o Brasil”, avalia Komura.

A cientista política Carolina Botelho, no entanto, lembra que o governo Bolsonaro pouco teve de fazer para aprovar a Reforma da Previdência – que já estava azeitada pelo governo Temer, numa articulação do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com o Congresso. “Quando o Bolsonaro entrou, ele só precisou apertar o botão”, explica.

Lula x Bolsonaro

Segundo Komura e Goes, o mercado financeiro ainda tem nessas eleições uma certa preferência por Bolsonaro, mesmo que pequena, por já conhecer os caminhos econômicos do governo – e por expressar dúvidas quanto aos rumos de um eventual governo Lula. “O mercado tem muito receio quanto ao Lula porque tem um véu escuro em relação às políticas que virão com a volta do governo de esquerda. Não sabemos qual vai ser a equipe econômica do Lula, por exemplo”, aponta a analista-chefe da Goes Invest.

“Acho que o mercado prefere sim o Bolsonaro”, ressalta Komura. Ele, no entanto, não acredita que há margem para um “boicote” e que os agentes financeiros vão receber um eventual governo petista com pragmatismo.

A cientista política Carolina Botelho também acredita que o mercado e as elites financeiras vão “virar a chave” no caso de troca de governo e respeitar as urnas.

Botelho, porém, diz que a manutenção de certo prestígio, mesmo que pequeno, junto a atores importantes do mercado financeiro, é questionável dada a situação econômica e social do país. “Se há uma elite que ainda acredita ser Guedes alguém com credibilidade e capaz de entregar algo pra coletividade temos que pensar que tipo de elite é essa. Talvez ele ou essa elite não sobreviveriam num país com um mínimo de civilidade maior que a nossa, porque as prioridades dele não partem para um coletivo e a entrega dele é pífia”, conclui a pesquisadora.