A conhecida tradição mineira está prestes a sofrer um severo abalo. Depois de 52 anos pulsando em Minas Gerais, o coração de uma das maiores empresas do Estado passará a bater em nova freguesia. Em abril, cerca de 200 funcionários da sede do Grupo Andrade Gutierrez desembarcam em São Paulo para ocupar 10 andares de um prédio moderno, próximo à Avenida Luís Carlos Berrini, na zona sul. A troca de endereço, na verdade, é a última fase de uma série de mudanças nos negócios das famílias Andrade e Gutierrez. Nesse processo, batizado de Sucessão das Gerações, quem saiu fortalecido foi Sérgio Andrade, de 55 anos, o maior acionista individual (filho de Roberto Andrade, um dos fundadores), dono de 33,3% das ações da companhia. Hoje dono das cadeiras de presidente da holding AG e do conselho de administração, foi ele quem articulou, apoiado pelos outros sócios, a reestruturação do grupo. Outros dois herdeiros, Eduardo Andrade e Roberto Gutierrez, abriram mão dos postos de superintendentes e agora são conselheiros, dando espaço para a profissionalização. Em outubro do ano passado, quatro dos principais executivos do grupo foram promovidos a presidentes das novas empresas que surgiram dentro da holding: AG Telecomunicações, AG Concessões, AG Brasil/Internacional (construção) e AG Investimentos Imobiliários. A consultoria americana Booz Allen ajudou no novo modelo, que incluiu a demissão de quase 300 funcionários. ?Todo negócio que fica nas mãos da família não dá certo por muito tempo?, afirmou Sérgio Andrade à DINHEIRO na última quarta-feira. ?Além disso, é mais fácil conseguir bons.

O DNA da Andrade Gutierrez é constituído do cimento e do aço da construção civil. Durante décadas o grupo esteve entre as três principais companhias de construção pesada do País, tendo sido responsável por obras como a hidrelétrica de Itaipu e a Usina de Angra II, além de ter conquistado grandes contratos internacionais. Mas no começo dos anos 80 o leque de negócios se abriu. Foi quando a Andrade Gutierrez resolveu entrar em áreas como petroquímica e até manutenção de aviões. A investida não deu certo e a solução foi se desfazer dessas participações na década seguinte. Paralelamente ao desempenho ruim nesses empreendimentos, a construção civil também começou a ter problemas. A inadimplência do governo federal, dos Estados e dos municípios ? que há dez anos representavam 99% dos contratos da área de engenharia – ameaçou o faturamento. ?O poder público perdeu a capacidade de investir e nós procuramos outras soluções?, diz Sérgio Andrade. Hoje, as obras públicas correspondem a apenas 26% da receita da construtora. A mudança para São Paulo seria, segundo o próprio Andrade, decorrência dessa nova realidade. ?Ficaremos mais próximos dos grandes negócios privados?, diz o presidente do grupo. E da saúde financeira, também. ?Temos gerado créditos de mais qualidade agora que dependemos menos do governo?, afirma José Alberto Diniz, vice-presidente de Finanças. Apesar do novo foco, o grupo tem a receber dos maus pagadores governamentais cerca de R$ 2 bilhões ? mais do que a receita de R$ 1,17 bilhão obtida com construção em 2000.

Não foi o governo o único culpado pela corrosão na receita da Andrade Gutierrez. Segundo José Rubens Goulart Pereira, presidente da divisão de construção Brasil, o sinal de alerta foi dado quando os acionistas entraram em novos negócios. ?Ficamos gerando caixa para os outros?, afirma Pereira, um dos responsáveis pela reestruturação no grupo. Agora que cada área virou empresa, explica, não existe mais esse risco. Pereira faz as contas de quanto deve entrar em caixa agora que dirige uma divisão autônoma e chega a números animadores: dos R$ 20 bilhões em contratos previstos para o mercado de construção nos próximos dois anos, quer ter pelo menos R$ 3 bilhões. Para isso, incluirá no currículo da Andrade Gutierrez não apenas a vocação de construir grandes obras, mas a de gerenciá-las para outras empresas.

Outro setor que passou por mudanças foi a construção internacional. Até quatro anos atrás, a Andrade Gutierrez chegou a estar em quase 50 países. Com o tempo, percebeu que a operação, dependendo do tamanho do contrato, tornava-se cara demais. Em 1997 o grupo redefiniu os planos e hoje concentra seus projetos em Portugal, Equador e Argentina. Se a participação da holding encolheu no exterior, no Brasil ela só tem crescido. Uma das recentes apostas dos acionistas é a divisão de concessões. A subsidiária do grupo para essa área tem cerca de 25% de participação no consórcio CCR ? empresa que administra concessionárias de rodovias como a Nova Dutra e Autoban, além da Sanepar, companhia de saneamento do Paraná. O negócio ainda tem uma participação pequena no faturamento do grupo, cerca de 10%, mas segundo Ricardo Coutinho de Sena, presidente da AG Concessões, o potencial é grande. ?Estamos de olho também nas próximas privatizações, inclusive dos aeroportos?, afirma. Até agora a CCR investiu R$ 3 bilhões e terá de desembolsar outros R$ 5,9 bilhões nos próximos 20 anos. Para captar parte dos recursos, já se fala na abertura de capital.

O mais recente lance da Andrade Gutierrez foi a liderança do consórcio que é dono da Telemar (operadora de telefonia em 16 Estados). Nem o próprio Sérgio Andrade disfarça o interesse por telecomunicações (leia quadro abaixo). ?É a área que mais ocupa o meu tempo e mais me entusiasma nos últimos tempos?, diz. É fácil entender a animação do empresário. Embora tenha a participação na Telemar há menos de três anos, o novo negócio já responde por 49% do faturamento da holding, que em 2000 chegou a R$ 2,8 bilhões. É dinheiro suficiente para apagar da memória o início difícil na relação com os outros acionistas da operadora, como o banco Opportunity, de Daniel Dantas. ?Os desencontros que tivemos com os outros acionistas da Telemar são coisas do passado?, diz Andrade.

O FÔLEGO DA AG TELECOM

 

Homem de confiança de Sérgio Andrade em telecomunicações e presidente da AG Telecom, Otávio Marques de Azevedo (foto) vem se dedicando à definição da melhor estratégia para a Telemar no leilão das bandas D e E. O executivo não dá detalhes, mas garante que tem fôlego para levar a melhor. ?A gente está bem preparado?, diz. A Telemar não descarta alianças com operadoras de telefonia fixa. Tanto que, há três semanas, Andrade visitou a Portugal Telecom para falar sobre o fornecimento de equipamentos e, principalmente, de um consórcio para a tecnologia PCS. Não se chegou a um acordo e na semana seguinte foi anunciada a aliança entre os portugueses e a Telefonica. Se a Telemar vencer a briga pelas bandas D e E, deverá investir neste ano R$ 3 bilhões, além dos R$ 5 bilhões em telefonia fixa.