Depois de perder o pai, aos 16 anos, a carioca Camila Farani começou a trabalhar na tabacaria da família. Foi em meio a deveres de química e a contabilidade do pequeno negócio que Camila descobriu sua veia empreendedora. Tanto é que, anos depois, decidiu abrir uma loja de alimentos naturais no centro do Rio de Janeiro, em vez de passar os seus dias dentro de um escritório com seu diploma de direito pendurado na parede. Quando foi convidada a integrar a diretoria do Mundo Verde, percebeu que já tinha bagagem suficiente para apoiar empreendedores na criação de empresas, e se tornou uma das 126 investidoras-anjo espalhadas pelo Brasil. 

 

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Fadas madrinhas: Ana Paula Fontes (à esq.), Camila Farani (sentada)

e Maria Rita Bueno fundaram o movimento Mulheres Investidoras Anjo

 

O número de “anjas” ainda é pequeno quando comparado aos quase 6.200 brasileiros do sexo masculino que fazem esse tipo de investimento, que envolve injeção de capital e recursos intelectuais. Porém, se depender de Camila e de suas parceiras, Maria Rita Spina Bueno e Ana Lúcia Fontes, em um ano, o total de investidoras anjo deve dobrar. O primeiro movimento de incentivo ao investimento anjo feminino, o Mulheres Investidoras Anjo (MIA), foi criado pelo trio de executivas. Todas passaram por consultorias e grandes empresas e seu objetivo é desmistificar esse investimento. 

 

Para tanto, elas promovem encontros com grupos de cerca de 40 empresárias e conversam sobre rentabilidade e riscos de se tornarem anjos. “As mulheres acham que é necessário investir muito dinheiro, mas algo ao redor de R$ 100 mil, além de conhecimento, são suficientes”, afirma Maria Rita, que também é diretora da Anjos do Brasil. “O retorno pode ser até 50 vezes maior do que o montante aplicado inicialmente, mas, como é um investimento de risco, existe a chance de se perder tudo.” A porta de entrada nesse mundo exclusivo é buscar empreendedores que sejam éticos e abertos a sugestões. 

 

É mais importante conhecer a pessoa certa do que o mercado em que a empresa iniciante vai atuar. Outra recomendação é começar em grupo. “Os conhecimentos de cada um se complementam”, diz Maria Rita. Há alguns entraves para quem quer começar nesse negócio. Não existe uma regulação própria, o que pode levar o investidor anjo ao inferno da Justiça trabalhista. “Existem soluções legais para evitar isso, como transformar a startup em uma sociedade anônima, mas é sempre bom consultar um advogado”, afirma Maria Rita. Além disso, não existe no País um incentivo fiscal para acelerar a entrada da mulher nesse mundo de investimento e empreendedorismo. 

 

Mas isso está prestes a mudar. Na semana passada, começou a tramitar no Senado um projeto de lei (PL 54/2014), elaborado por José Agripino (DEM-RN), sobre dedução de até 20% do valor investido em startups do Imposto de Renda. Segundo a proposta, esse valor ficaria limitado a R$ 80 mil, mesmo que as deduções sejam referentes a mais de uma empresa iniciante. Já na Itália, por exemplo, há isenção completa sobre o ganho de capital (veja quadro ao final da reportagem). Esse cenário dificulta ainda mais a entrada da mulher nesse tipo de investimento. A americana Angela Lee, fundadora do grupo 37 Angels e diretora da Columbia Business School, diz que, pelas características femininas, a propensão das mulheres de se envolverem em negócios de risco é 50% menor que a dos homens. 

 

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Angela Lee, fundadora do 37 Angels: “Aquelas mulheres que aceitam o desafio têm, em geral,

de 30 a 50 anos e possuem cursos de MBA no currículo”

 

“Aquelas que aceitam o desafio têm, em geral, de 30 a 50 anos e possuem cursos de MBA no currículo”, diz. “Como ficamos em Nova York, elas se interessam por investir no mercado financeiro, em mídia e na área de saúde.” Atual­mente, há mais de 24 mil mulheres investidoras nos Estados Unidos. Essas executivas representam 18,2% dos investidores anjo americanos, um crescimento significativo em relação aos 5% de 2003, segundo levantamento do Center for Venture Research da Universidade de New Hampshire. “A paridade de gêneros pode demorar a acontecer, mas, quanto mais mulheres se tornarem empreendedoras e depois saírem de seus empreendimentos, mais investidoras teremos”, afirma Jeffrey Sohl, diretor do centro de pesquisa. 

 

Um estudo realizado pela Dell, no ano passado, o Brasil é o 14o entre 17 países que oferecem condições favoráveis ao desenvolvimento do empreendedorismo feminino. Nas primeiras colocações, aparecem Estados Unidos, Austrália e Alemanha e, nas últimas, Egito, Índia e Uganda. “Crescimento da economia não é sinônimo de aumento do empreendedorismo feminino, pois existem regras sociais veladas que constituem uma barreira ao sucesso das mulheres”, afirma o documento. A despeito da má colocação brasileira nos investimentos em startups, as mulheres já são maioria entre os empreendedores no País, segundo o levantamento Global Entrepreneurship Monitor (GEM) divulgado pelo Sebrae. 

 

Elas respondem por 52,2% das micro e pequenas empresas do País. “Investimento anjo se trata de um capital paciente e isso pode ser mais interessante exatamente pelas características femininas”, diz Julie Weeks, criadora da empresa Womenable, que capacita mulheres para o empreendedorismo. Na lista de empreendedoras brasileiras estão Chieko Aoki, da rede Blue Tree, e Cristiana Arcangeli, que criou a Phytoervas e a Éh Cosméticos. “Uma das dificuldades enfrentadas pelas mulheres está a confusão entre ser gestora e ser dona, pois queremos ter domínio sobre tudo”, diz Ana Lúcia Fortes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora e outra criadora do MIA. 

 

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“Há dificuldade em fazer networking, por conta da falta de tempo, e o pavor de lidar com a área financeira, que é um componente cultural forte.” Mesmo assim, as mulheres têm características que fazem delas boas empreendedoras e investidoras, como a sensibilidade, o interesse pelo bem-estar dos funcionários e a dedicação. “Não levantamos bandeiras de feminismo ou de machismo. O que estamos dizendo é que faltam investidoras anjo para fechar um ciclo de conquistas femininas”, diz Camila, do MIA. “Não somos frágeis, está na hora de investirmos em algo que vá além de renda fixa e renda variável.”

 

Depois de perder o pai, aos 16 anos, a carioca Camila Farani começou a trabalhar na tabacaria da família. Foi em meio a deveres de química e a contabilidade do pequeno negócio que Camila descobriu sua veia empreendedora. Tanto é que, anos depois, decidiu abrir uma loja de alimentos naturais no centro do Rio de Janeiro, em vez de passar os seus dias dentro de um escritório com seu diploma de direito pendurado na parede. Quando foi convidada a integrar a diretoria do Mundo Verde, percebeu que já tinha bagagem suficiente para apoiar empreendedores na criação de empresas, e se tornou uma das 126 investidoras-anjo espalhadas pelo Brasil. 

 

O número de “anjas” ainda é pequeno quando comparado aos quase 6.200 brasileiros do sexo masculino que fazem esse tipo de investimento, que envolve injeção de capital e recursos intelectuais. Porém, se depender de Camila e de suas parceiras, Maria Rita Spina Bueno e Ana Lúcia Fontes, em um ano, o total de investidoras anjo deve dobrar. O primeiro movimento de incentivo ao investimento anjo feminino, o Mulheres Investidoras Anjo (MIA), foi criado pelo trio de executivas. Todas passaram por consultorias e grandes empresas e seu objetivo é desmistificar esse investimento. 

 

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Cristiana Arcangeli: exemplo de empreendedora bem-sucedida no Brasil

 

Para tanto, elas promovem encontros com grupos de cerca de 40 empresárias e conversam sobre rentabilidade e riscos de se tornarem anjos. “As mulheres acham que é necessário investir muito dinheiro, mas algo ao redor de R$ 100 mil, além de conhecimento, são suficientes”, afirma Maria Rita, que também é diretora da Anjos do Brasil. “O retorno pode ser até 50 vezes maior do que o montante aplicado inicialmente, mas, como é um investimento de risco, existe a chance de se perder tudo.” A porta de entrada nesse mundo exclusivo é buscar empreendedores que sejam éticos e abertos a sugestões. 

 

É mais importante conhecer a pessoa certa do que o mercado em que a empresa iniciante vai atuar. Outra recomendação é começar em grupo. “Os conhecimentos de cada um se complementam”, diz Maria Rita. Há alguns entraves para quem quer começar nesse negócio. Não existe uma regulação própria, o que pode levar o investidor anjo ao inferno da Justiça trabalhista. “Existem soluções legais para evitar isso, como transformar a startup em uma sociedade anônima, mas é sempre bom consultar um advogado”, afirma Maria Rita. Além disso, não existe no País um incentivo fiscal para acelerar a entrada da mulher nesse mundo de investimento e empreendedorismo. 

 

Mas isso está prestes a mudar. Na semana passada, começou a tramitar no Senado um projeto de lei (PL 54/2014), elaborado por José Agripino (DEM-RN), sobre dedução de até 20% do valor investido em startups do Imposto de Renda. Segundo a proposta, esse valor ficaria limitado a R$ 80 mil, mesmo que as deduções sejam referentes a mais de uma empresa iniciante. Já na Itália, por exemplo, há isenção completa sobre o ganho de capital (veja quadro ao final da reportagem). Esse cenário dificulta ainda mais a entrada da mulher nesse tipo de investimento. A americana Angela Lee, fundadora do grupo 37 Angels e diretora da Columbia Business School, diz que, pelas características femininas, a propensão das mulheres de se envolverem em negócios de risco é 50% menor que a dos homens. 

 

“Aquelas que aceitam o desafio têm, em geral, de 30 a 50 anos e possuem cursos de MBA no currículo”, diz. “Como ficamos em Nova York, elas se interessam por investir no mercado financeiro, em mídia e na área de saúde.” Atual­mente, há mais de 24 mil mulheres investidoras nos Estados Unidos. Essas executivas representam 18,2% dos investidores anjo americanos, um crescimento significativo em relação aos 5% de 2003, segundo levantamento do Center for Venture Research da Universidade de New Hampshire. “A paridade de gêneros pode demorar a acontecer, mas, quanto mais mulheres se tornarem empreendedoras e depois saírem de seus empreendimentos, mais investidoras teremos”, afirma Jeffrey Sohl, diretor do centro de pesquisa. 

 

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Um estudo realizado pela Dell, no ano passado, o Brasil é o 14o entre 17 países que oferecem condições favoráveis ao desenvolvimento do empreendedorismo feminino. Nas primeiras colocações, aparecem Estados Unidos, Austrália e Alemanha e, nas últimas, Egito, Índia e Uganda. “Crescimento da economia não é sinônimo de aumento do empreendedorismo feminino, pois existem regras sociais veladas que constituem uma barreira ao sucesso das mulheres”, afirma o documento. A despeito da má colocação brasileira nos investimentos em startups, as mulheres já são maioria entre os empreendedores no País, segundo o levantamento Global Entrepreneurship Monitor (GEM) divulgado pelo Sebrae. 

 

Elas respondem por 52,2% das micro e pequenas empresas do País. “Investimento anjo se trata de um capital paciente e isso pode ser mais interessante exatamente pelas características femininas”, diz Julie Weeks, criadora da empresa Womenable, que capacita mulheres para o empreendedorismo. Na lista de empreendedoras brasileiras estão Chieko Aoki, da rede Blue Tree, e Cristiana Arcangeli, que criou a Phytoervas e a Éh Cosméticos. “Uma das dificuldades enfrentadas pelas mulheres está a confusão entre ser gestora e ser dona, pois queremos ter domínio sobre tudo”, diz Ana Lúcia Fortes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora e outra criadora do MIA. 

 

“Há dificuldade em fazer networking, por conta da falta de tempo, e o pavor de lidar com a área financeira, que é um componente cultural forte.” Mesmo assim, as mulheres têm características que fazem delas boas empreendedoras e investidoras, como a sensibilidade, o interesse pelo bem-estar dos funcionários e a dedicação. “Não levantamos bandeiras de feminismo ou de machismo. O que estamos dizendo é que faltam investidoras anjo para fechar um ciclo de conquistas femininas”, diz Camila, do MIA. “Não somos frágeis, está na hora de investirmos em algo que vá além de renda fixa e renda variável.”

 

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