13/02/2002 - 8:00
Lá e cá, parece que o tempo andou para trás. Em Washington, na segunda-feira 4, o presidente americano George W. Bush apresentou ao Congresso um verdadeiro orçamento de guerra, no valor total de US$ 2,3 trilhões. Pela proposta de Bush, somente o Pentágono receberá US$ 379 bilhões, com acréscimo de 20% em relação ao ano anterior. A defesa interna duplicará sua verba, de US$ 19,7 bilhões para US$ 38 bilhões. ?Os ataques de 11 de setembro foram para nós o que foi Pearl Harbor para uma outra geração de americanos?, explicou o presidente dos EUA. Ele precisa justificar o maior aumento dos gastos militares em 21 anos, o primeiro déficit orçamentário recente (US$ 80 bilhões) e o corte, patriótico mas antipático, de gastos sociais previstos no orçamento de 2002. ?Estamos unidos em Washington para ganhar essa guerra?, disse o presidente americano. ?Uma maneira de expressar nossa unidade é o Congresso autorizar plenamente a minha proposta.?
A 10 mil quilômetros dali, na cidade brasileira de Porto Alegre, a mesma segunda-feira assistiu a uma marcha de 40 mil pessoas contra a Área de Livre Comércio das Américas, a Alca. Era o encerramento prático do 2º Fórum Social Mundial e o ponto final foi posto às 21h30, com a queima de um boneco representando o governo americano. ?A marcha contra a Alca é uma demonstração de repúdio às intenções dos EUA de impor sua visão dominadora para a região?, disse Olívio Dutra, governador petista do Rio Grande do Sul. Horas antes, no anfiteatro Araújo Viana, a assembléia geral das ONGs presentes ao Fórum já tinha acabado ao som da Internacional, com a queima, no palco, de vários símbolos da hegemonia americana: o chapéu do Tio Sam, o logo da Coca-Cola e as três letras fatídicas do FMI. Qualquer ativista de esquerda dos anos 50 iria sentir-se perfeitamente em casa na capital dos
gaúchos. E qualquer anticomunista ressuscitado do macartismo (a caça às bruxas americana na década de 50) iria deliciar-se com a atmosfera de Washington.
Essa mistura rediviva de belicismo e antiamericanismo faz lembrar a frase famosa de Karl Marx ? a história às vezes se repete, mas na segunda vez é pura farsa. Ao lançar mão da idéia de Eixo do Mal para arrancar dinheiro do Congresso, o presidente americano tenta reproduzir o clima de ameaça que cercava os Estados Unidos na II Guerra e depois dela, durante a Guerra Fria. Em ambas as ocasiões havia um inimigo real, grande e poderoso, ao qual era preciso atacar ? ou, no caso da União Soviética, dissuadir pelo acúmulo de força. Agora é diferente. O inimigo terrorista que atacou em 11 de setembro é tão pequeno que ainda não pôde ser localizado. Tentar passar a conta para Irã, Iraque e Coréia do Norte é pouco mais que um truque de marketing político. Pode funcionar para dobrar o Congresso, mas não tem fundamento na vida real. É farsa.