04/05/2022 - 4:25
Um raio de sol chega a mesa de fórmica e decorada com flores sobre a qual Antonina faz palavras cruzadas cercada por caixões em uma funerária de Severodonetsk, cidade no leste da Ucrânia tomada em grande parte pelas tropas russas.
Junto a um edifício destruído pelos bombardeios, Antonina Boloto, de 60 anos, organizou neste peculiar ambiente um espaço de sobrevivência para sua família.
“Isto não e um necrotério, é uma funerária” e tem a vantagem de ter um sótão, declara.
No cômodo único e sombrio há quatro caixões pintados, forrados com um delicado cetim branco. Há também coroas fúnebres e cruzes de madeira com preços manuscritos.
Em Severodonetsk, os bombardeios obrigam as famílias a resolverem por si mesmas um jeito de enterrar os seus. Antonina Boloto, empregada da funerária, já não tem clientes.
Ela passa seus dias organizando sua vida no local transformado em abrigo, sem perder o sorriso, mas em um ambiente com um ar apocalíptico.
“A guerra se enfrenta como pode”, resume esta magra e enérgica mulher, com a cabeça coberta por um gorro de lã laranja.
– Em paz –
“Arranjamos água e a guardamos aqui” diz, apontando para as bacias de ferro cheias.
“Temos lenha seca, que uso apenas para cozinhar no forno de fora” explica, mostrando uma armação de tijolos com grelha.
A panela está preta de tanto ser usada sobre as chamas, lamenta.
Caso falte lenha, ela pensa em pedir ao dono da funerária para usar os caixões. “Se tivermos que fazer, o faremos”, afirma.
Para sobreviver, esta família de oito pessoas, em sua maioria idosos, tem ainda uma caixa de batatas e alguns pacotes de macarrão, assim como azeite, presunto e conservas distribuídos por uma ONG.
Para aliviar o confinamento, Antonina coloca dois banquinhos ao sol para sua mãe de 82 anos, Nina, e sua cunhada, que tem um olhar perdido.
O lugar dedicado ao luto tem se salvado milagrosamente dos ataques enquanto Antonina convive com a morte ao seu lado.
“O que tiver que acontecer, acontece. Você pode ir a qualquer lugar e ao atravessar uma rua um carro o atropela. Não é assim?”, comenta, afirmando que ora todos os dias para que o conflito termine “o mais cedo possível”.
