Existe um papel na recente publicidade nacional que cairia
como uma luva para Antonio Maciel Neto, presidente da Ford do Brasil e da América do Sul. É o do personagem que carrega um mico nos ombros, num prenúncio da tremenda enrascada que o camarada está para se meter.
Mas ao contrário do que prega o comercial, Maciel não
foge do mico: ele parece ter obsessão por trabalhos que ninguém gosta de fazer. Foi assim na fabricante de pisos e azulejos Cecrisa, que ele topou comandar mesmo depois que os donos lhe mostraram um lista de oito concordatas e 1,2 mil sedentos credores ? ?era uma oportunidade espetacular?, segundo o próprio Maciel. Também foi assim no Grupo Itamarati, de Olacyr de Moraes, onde ele chegou
com a missão de debelar uma dívida assustadora de US$ 1 bilhão.
E já era assim na faculdade de engenharia mecânica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. ?O Maciel organizava o pessoal para a Olimpíada, foi o síndico do prédio onde ficava a república estudantil, presidiu o grêmio. Nunca vi alguém para gostar de descascar tanto abacaxi?, diz o ex-colega de turma Henrique Pereira. ?Se o colocarem numa empresa tranqüila, de monopólio de mercado, ele morre de tédio.? Eis o ?Maciel da Ford?. Eleito pela DINHEIRO o Empreende-
dor do Ano na categoria Indústria, o executivo empreende a mais profunda reestruturação da montadora americana em seus 84 anos
de Brasil ? um mico que pesa como um gorila, mas que ele vem domando com a costumeira maestria.

Dois mil e três foi ?o ano? para Maciel. Graças sobretudo aos sucessos do novo Fiesta e do EcoSport, de janeiro a novembro as vendas da Ford no País cresceram 13%, e o market share avançou dois pontos (para 11,5%) ? de longe, o melhor desempenho do setor. No mesmo período, a indústria automotiva nacional despencou 7%. E a participação de mercado de rivais como Fiat e Volkswagen, 1% e 2%, respectivamente. Não custa lembrar que nesse setor um mísero ponto percentual significa 18,5 mil veículos a mais no pátio e meio milhão de reais a menos no cofre das fabricantes. ?Sem falar nas exportações?, apressa-se em dizer Maciel, que vai despejando seus números de cabeça, sem recorrer a papéis ou ao computador. A Ford fechará este ano com US$ 760 milhões de vendas externas, 40% a mais do que em 2002 e quase o triplo do registrado em 1999, quando o executivo instalou-se numa sala simplória do segundo andar da sede da empresa, em São Bernardo do Campo (SP). ?O Maciel leva uma vida espartana, detesta luxo. E para trabalhar lhe bastam um telefone, um computador, uma secretária eficiente e uma caneta que ele costuma pegar em quarto de hotel?, conta Olacyr de Moraes.

Paranaense de Apucarana, 46 anos, pai dedicado de ir todos os meses buscar o boletim da filha na escola, Maciel lembra bem do dia que assumiu o cargo. Era 2 de julho e a Ford se apresentava à sua frente como uma companhia alquebrada por prejuízos de US$ 500 milhões ? buraco cavado desde o fim da sociedade com a Volks na Autolatina, em 1995. A falta de modelos modernos e a demora de 5 anos para entrar no segmento popular haviam derrubado as vendas de 150 mil para 78 mil automóveis por ano, e o share de 20% para 7%. Cansados de perder dinheiro, os revendedores estavam furiosos e indo ao Cade reclamar da companhia. Com fama de exímio planejador, negociador paciente
e, na sua própria definição, ?o mais racional e quadrado dos engenheiros?, Maciel foi à luta.

Atacou primeiro a questão dos produtos pouco competitivos. Contratou 250 engenheiros, redesenhou a traseira do Ka e lançou o novo Fiesta, o Focus e o EcoSport ? este último um arrasa quarteirão já exportado para sete países e que fez a participação da marca no segmento de comerciais leves dobrar para 22% em nove meses. Maciel ainda desafiou todos ? todos! ? os contratos da Ford e conseguiu reduzir seus custos fixos em 66%. Demitiu 1.800 funcionários, é verdade. Mas admitiu outros 1.500 na Bahia, onde ergueu uma das linhas de montagem mais modernas do mundo. A planta custou US$ 1,9 bilhão e, inovação das inovações, foi em parte financiada por 30 fornecedores que dividem o mesmo teto com a Ford.

?Essa foi a revolução barulhenta?, diz Maciel. ?Mas houve outra, silenciosa, que deu mais trabalho.? Ele se refere à pacificação dos revendedores. ?Negociamos a saída de quem não tinha mais interesse, ajudamos na expansão de quem queria ficar e trouxemos 56 novos grupos para a rede?, enumera. Mais do que isso: ?O Maciel chegou com disposição para ouvir. E se ainda há muito a fazer, sabemos que agora contamos com um interlocutor franco e presente?, elogia João Carlos Teixeira, presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores Ford.

Por ?muito a fazer? entendam-se duas coisas: o lançamento de uma minivan (quem sabe a Fusion, já vendida na Europa) e de um companheiro para o Ka no segmento de populares de até R$ 17 mil. Essa fatia concentra 65% das vendas nacionais e, apesar do crescimento deste ano, ainda prende a Ford à quarta posição do mercado. Maciel não confirma nada. Apenas sorri. Como sorri quando lhe perguntam para quando é o tão sonhado equilíbrio nas contas da Ford. ?De 1999 para cá, nós já dobramos
de tamanho?, desconversa. Segundo gente do setor, isso significa
que a Ford do Brasil faturou cerca de US$ 1 bilhão nos primeiros
nove meses do ano. O azul ainda não voltou ao balanço, mas a
matriz dá sinais de que Maciel tem crédito, pois acaba de promovê-lo a presidente também das operações de toda a América do Sul. O maior número de viagens que terá de fazer o preocupam, pois passará mais tempo longe da filha Carolina, de 8 anos. Dia desses, aliás, Maciel estava preocupadíssimo: numa viagem, seu laptop entrou em colapso e ele quase perdeu as cartas que escreve para Carol, religiosamente, nos aniversários dela. Por sorte, um técnico da Ford conseguiu recuperar os textos.

No ano que vem, Maciel pretende ir a Atenas, acompanhar os Jogos Olímpicos. Mas sabe que não vai relaxado se não estiver pelo menos próximo de devolver a lucratividade à Ford. O porquê disso ele mesmo já explicou numa entrevista recente: ?Sofro muito com a imperfeição. Tive uma mãe repressora. Na escola, se eu tirasse nota 8 ela fazia cara feia. Tenho no meu DNA esse negócio de fazer as coisas direito?. E como diria dona Corina, está fazendo, Tãozinho, está fazendo…