O empresário paulista José Luiz Gandini, presidente do Grupo Gandini, se tornou a maior autoridade em importação de automóveis do País na última década. Gandini representa no mercado brasileiro, com exclusividade, a gigante sul-coreana Kia e a chinesa Geely, dona da marca sueca Volvo. Tal reputação como importador e a sua forte influência conquistada no meio empresarial também o transformaram em uma espécie de saco de pancadas do governo, que declarou guerra à importação para defender a indústria nacional e incentivar, a fórceps, novos investimentos. Para o empresário, no entanto, a política anti-importação fará com que o Brasil engate uma marcha à ré em termos de crescimento econômico. “Quanto mais o governo tenta ajudar, mais atrapalha”, afirmou Gandini, que criticou também a carga tributária sobre a indústria. “Costumo dizer que não vendo automóveis, vendo impostos.”

DINHEIRO – O que explica a freada da indústria automobilística neste ano?
JOSÉ LUIZ GANDINI – 
O mercado automobilístico acompanha o modo de pensar do brasileiro. Os consumidores estão desmotivados com o País, descrentes com a economia. Ninguém está disposto a fazer investimentos ou gastos considerados não essenciais. Todos nós estamos sem saber o que vai acontecer, pisando em ovos, sem segurança em relação ao futuro. Que trabalhador está disposto a assumir um financiamento de 36 meses?

DINHEIRO – O pessimismo se justifica?
GANDINI – 
Claro que sim. Não tenho mais assistido ao Jornal Nacional, algo que fiz a vida toda. Tenho ficado tão deprimido, tão desgostoso que, às vezes, não dá vontade de sair de casa para trabalhar. É sujeira e mais sujeira. Crises não me preocupam. As dificuldades na economia mundial e a iminente recessão no Brasil são coisas que podemos resolver. É só ajustar as contas que se resolve. Mas o Brasil perdeu a rédea da economia e da ética. É difícil definir em palavras.

DINHEIRO – O sr. se refere aos escândalos de corrupção?
GANDINI – 
Também. Os escândalos de corrupção na Petrobras nos fizeram sentir vergonha de sermos brasileiros.

DINHEIRO – O setor automobilístico foi, nos últimos anos, o que mais recebeu incentivos do governo. A presidente Dilma Rousseff virou as costas para o setor? 
GANDINI –
 Não acredito. O mercado automobilístico é uma fonte multiplicadora de empregos e continua sendo fundamental para a economia brasileira. O problema é que a ânsia de aumentar impostos supera tudo e passa a ser mais importante do que proteger determinada ala industrial. A prioridade do governo é cobrar mais impostos para fechar as contas no fim do mês e diminuir o rombo. Mais do que vender mais carros, o governo quer é arrecadar.

DINHEIRO – O apetite por aumentar a arrecadação não tende, no médio prazo, a prejudicar ainda mais a economia?
GANDINI – 
Ninguém, em sã consciência, pode ser a favor de aumento de impostos. O ideal é o governo aprender a gastar o que ganha. Essa regra vale para todos. Trata-se apenas de matemática elementar. Mas o governo não pensa assim. O governo gasta, mascara, deixa roubar, sem qualquer respeito pelo dinheiro público. Cada um faz o que quer. Daí, a única maneira de resolver é aumentar a tributação para pagar as contas. O governo precisa gastar menos e baixar a carga tributária.

DINHEIRO – A exportação é uma saída? 
GANDINI – 
Não há como exportar com os custos que existem aqui. Tudo é complicado e caro neste país. Por outro lado, há um problema muito sério, que leva alguns a acreditar que o Brasil é uma maravilha. Na pirâmide social brasileira, 46% da população possui renda familiar mensal de até R$ 1,3 mil. Essa multidão não tem dinheiro para comprar automóvel. Como temos 200 milhões de habitantes no Brasil, apenas metade pode comprar um carro. Contamos com uma frota circulante de 48 milhões de veículos. Isso representa 2,5 carros por pessoa. Ou seja, já estamos no nível da Europa. Estamos estagnados. Não há espaço para crescer.

DINHEIRO – O sr. pensa em deixar o País?
GANDINI – 
Apesar disso tudo, considero o Brasil um país realmente maravilhoso. Adoro meu Brasil e não quero sair daqui. Vou continuar dando murro em ponta de faca, mas vou continuar aqui.

DINHEIRO – O ano já está perdido?
GANDINI – 
O Brasil vai andar para trás em 2015. O mercado automobilístico deve fechar o ano com a venda de 3,3 milhões de unidades, com uma queda de 1%. Um resultado até razoável, dadas as circunstâncias. O Chile, por exemplo, prevê queda de 17,5% neste ano.

DINHEIRO – O governo precisará conceder novos incentivos às montadoras?
GANDINI – 
O Brasil não precisa de incentivos. É só não atrapalhar que o País anda sozinho. Quanto mais o governo tenta ajudar, mais atrapalha.

DINHEIRO – Com um ambiente de crise e o dólar caminhando para R$ 3, o horizonte é preocupante para os importadores… 
GANDINI – 
Os custos do carro importado estão 100% ligados ao câmbio. Em 2011, o dólar oscilava entre R$ 1,58 e R$ 1,60. O governo, com medo de uma invasão de carros importados, criou os tais 30 pontos adicionais no IPI. Uma coisa maluca, sem nexo. Um carro popular paga, atualmente, 7% de IPI. Nós pagamos 37%. Pior: nos carros de motores mais potentes, o IPI de 25% foi para 55%. Não dá para acreditar.

DINHEIRO – O governo não está correto ao defender a indústria nacional?
GANDINI – 
Acho que o Brasil precisa ter, sim, uma política industrial e se defender. Concordo. Mas o aumento do IPI foi criado para proteger as montadoras naquele momento de valorização do real, com dólar a R$ 1,60. Com um dólar de R$ 2,90, não tem lógica. Trata-se de uma tributação para exterminar os importadores. Para acabar de vez com os importados. Mas não podemos acabar. O importado baliza o preço do nacional. O importado é uma referência para o consumidor e para a indústria de tudo que existe de melhor em inovação tecnológica, eletrônica, segurança e uma infinidade de coisas. Ao atacar os importados, o governo joga contra a própria indústria brasileira.

DINHEIRO – Os importados ameaçam os produtos nacionais?
GANDINI – 
De forma alguma. Em 2011, quando as grandes montadoras instaladas no Brasil venderam desespero para o governo, pedindo proteção contra os importados, a participação das marcas que não têm fábrica no País era de 5,82%. Um ano depois, caímos para 3,60%. Em 2013, ficamos em 3,15%. No ano passado, chegamos a 2,90%, com 96.578 carros vendidos. Para convencer o governo, as montadoras brasileiras somaram o total de importados de marcas sem fábrica aqui com os automóveis que são importados por elas mesmas, inclusive os produzidos no Mercosul, que não deveriam entrar na conta porque se trata de um acordo de troca. Distorcida, a participação saltou para 26%.

DINHEIRO – Sobre esse tema, o sr. chegou a se desentender publicamente com o ex-ministro Guido Mantega, certo? 
GANDINI – 
No dia que esse absurdo foi anunciado, quatro anos atrás, pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, eu pedi a palavra para explicar melhor esse cálculo. Mas o Mantega mandou os seguranças tomarem o microfone da minha mão. Eu só queria saber se todos sabiam que a participação dos importados não era aquela. Uma coisa é 5,82%, outra é 26%.

DINHEIRO – O sr. acredita em mudanças?
GANDINI – 
Difícil. Pela Organização Mundial do Comércio (OMC), a alíquota máxima para a importação é de 35%. Esse percentual já era cobrado antes da criação do IPI adicional. Um carro importado tem hoje a carga tributária de 54%. Costumo dizer que não vendo automóveis, vendo impostos.

DINHEIRO – Os importadores vão reagir?
GANDINI – 
A OMC já está contestando essas medidas e abriu um painel contra o governo brasileiro. Mas a decisão sairá daqui a dez ou 20 anos. Até lá, todos nós estaremos quebrados.

DINHEIRO – Qual será a saída para os importadores?
GANDINI – 
Alterar os limites de cotas de importação, levando-se em conta a média de cada marca, entre 2009 e 2011. Já tive uma reunião com o novo ministro da Indústria e Comércio, Armando Monteiro, pedindo essa revisão. Por enquanto, o governo faz uma cota balizada em 4,8 mil carros. A cota correta da marca Kia seria de 52 mil carros, não de 4,8 mil. Fomos os mais prejudicados.

DINHEIRO – O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, parece ter carta branca da presidente Dilma para colocar a economia nos trilhos. Ele vai conseguir?
GANDINI – 
O ministro Levy é um economista sério e competente. Se ele conseguir implementar seu plano de equilíbrio fiscal, o País voltará a caminhar no segundo semestre. Aumentar o imposto, ele mostrou que sabe fazer. Agora precisa mostrar que sabe também cortar gastos.

DINHEIRO – A Geely terá fábrica no Brasil?
GANDINI – 
Os executivos da Geely querem construir uma fábrica já. Quem está segurando isso sou eu. Ter fábrica é uma segunda etapa. 

DINHEIRO – E a Kia?
GANDINI – 
A Kia terá uma fábrica no Brasil. Não tenha dúvidas. Mas ainda não é o momento. Com a atual política de importação, não dá.

DINHEIRO – Como o sr. avalia as políticas dos governos Lula e Dilma para o setor? 
GANDINI – 
O Lula teve uma grande vantagem sobre a atual presidente, pois soube separar economia e política. Ele cuidava da política e a equipe técnica, da economia. A Dilma quis mandar em tudo e se perdeu com isso. Só agora está se cercando de pessoas competentes, como os ministros Joaquim Levy e Armando Monteiro. Eles sabem fazer a lição de casa. É só deixá-los trabalhar.