12/04/2019 - 20:03
Uma perseguição de policiais militares terminou com a morte de um suspeito em Heliópolis, na zona sul de São Paulo, no fim de semana passado. A atuação dos agentes também causou a dispersão de um baile funk que ocorria no local e vídeos mostram policiais encurralando os frequentadores da festa em um beco estreito. A operação tem característica similar a que aconteceu em Paraisópolis no mesmo fim de semana, quando nove pessoas morreram pisoteadas.
A Ouvidoria da Polícia informou nesta quarta-feira, 4, que solicitou realização de perícia técnica para esclarecimento das circunstâncias em que a perseguição em Heliópolis aconteceu. O suspeito teria sido morto em uma troca de tiros. A Ouvidoria também instaurou procedimento para apurar eventual abuso de autoridade e agressão no local. O órgão pediu à Corregedoria da PM o afastamento dos policiais envolvidos na perseguição e na dispersão da festa.
A gravação mostra dezenas de pessoas circulando em um beco. Em dado momento, o fluxo começa a andar rapidamente no sentido contrário até não ter mais para onde ir. À frente do grupo aparecem dois policiais militares e um deles desfere seguidos golpes de cassetete em pessoas que tentam se proteger; um terceiro policial se junta ao grupo. As agressões continuam até o grupo de pessoas conseguir se deslocar para trás e sair dali.
A Secretaria da Segurança Pública disse que as ocorrências em Heliópolis são investigadas pelo 95º DP e pela Corregedoria da Polícia Militar. O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa também instaurou inquérito para apurar a morte decorrente de intervenção policial no domingo, 1º.
O caso é um dos quatro que está sob análise da Ouvidoria diante de indícios de excesso na atuação policial. “A PM atua semanalmente em centenas de bailes funk e na maioria absoluta não há intervenção. Os protocolos são seguidos e não há conflito. Mas tem quatro situações que são prioridades e que devem ser analisadas para ver se houve uso do protocolo adequado de controle de distúrbio”, disse o ouvidor Benedito Mariano ao jornal O Estado de S. Paulo.
Os outros casos são: as nove mortes em Paraisópolis, três mortes que aconteceram na dispersão de um baile em Guarulhos em novembro do ano passado e o ferimento que deixou uma jovem cega em um evento em Guaianases.
Sobre o caso de Guarulhos, a secretaria disse que o caso é investigado pelo 8º DP da cidade. Foram ouvidas vítimas, testemunhas e policiais militares. De acordo com a pasta, os laudos foram anexados ao inquérito instaurado, que está no Fórum Distrital de Guarulhos, com pedido de quebra do sigilo telefônico de um dos organizadores do evento. O IPM instaurado pela Polícia Militar foi concluído e encaminhado para Justiça Militar. “O artigo 16 do Código de Processo Penal Militar determina sigilo nas informações do inquérito”, informou a secretaria.
‘Quem fez isso está impune e pode fazer o mesmo com outros’, diz mãe sobre policial que atirou no olho da filha em baile
Quando a adolescente Gabriella Talhaferro, de 16 anos, chegou com 15 amigos ao Baile do Beira Rio, em Guaianases, encontrou uma rua esvaziada e ocupada por viaturas da Polícia Militar. Os agentes tinham chegado ali horas antes como parte de uma estratégia da corporação para impedir a realização de festas de rua irregulares. Ocupando a área, eles esperavam frustrar a realização da festa e evitar maiores problemas com o público.
A estratégia funcionou para impedir a aglomeração, mas não evitou o início de um conflito durante a madrugada do dia 10 de novembro. Sem ter como voltar para casa já que os trens haviam encerrado o serviço à noite, Gabriella ficou pelo local e notou quando as primeiras bombas foram lançadas pelos agentes. Momentos depois escutou mais bombas. O barulho a fez correr e se abrigar em uma adega. “Quando estava no local, passou uma viatura com quatro policiais. Relata que o policial que ocupava o banco do passageiro, de dentro da viatura, que estava a aproximadamente a três ou quatro metros de si, apontou uma arma em sua direção e atirou”, lê-se no depoimento que ela concedeu à Ouvidoria.
O disparo, que a atingiu na face, fez ela se sentir atordoada. Sem ter como receber resgate, decidiu recorrer aos mesmos policiais que estavam na viatura de onde partiu o tiro de bala de borracha, mas o socorro foi negado. “Os policiais riam da lesão que sofreu e ao indagar se não os ajudariam, uma vez que a haviam lesionado, um dos policiais disse ‘foda-se, sai daqui'”, relatou a adolescente ao ouvidor. Um amigo que a acompanhava chamou um transporte por aplicativo, que a levou ao hospital onde passaria por cirurgia. Ela perdeu a visão do olho esquerdo imediatamente.
Quase um mês depois do caso, Gabriella tem boa cicatrização e tenta evitar infecções que a levariam a ter de retirar o globo ocular. O avanço na recuperação é uma das únicas boas notícias para a família. Para a reportagem, a mãe de Gabriella, Kelly Talhaferro disse que a filha passa todo o tempo trancada em seu quarto e já perdeu cinco quilos. “Ela, que sempre foi vaidosa, não se maquia mais. Não sente mais vontade de fazer nada”, disse.
A tristeza da mãe reside na lentidão para apuração e responsabilização dos policiais envolvidos. Segundo Kelly, ao prestar depoimento na Polícia Civil, ela teve de ouvir questões como: “Mas a senhora sabia que ali é um ponto de tráfico?”. “Fomos tratadas como se fôssemos as bandidas. Há uma total negligência por parte da polícia e até agora não fomos chamadas para fazer reconhecimento dos policiais”, disse Kelly.
“É muito triste saber que quem fez isso está impune e pode fazer o mesmo contra outras pessoas. Estou vendo a alegria da minha filha se apagar pouco a pouco e ainda tenho de ver as críticas na internet e em todos os lugares, enquanto quem fez isso está sendo poupado”, acrescentou.
Sobre o caso de Guaianases, a investigação é feita pelo 44º DP da capital. “A autoridade policial ouviu a vítima e trabalha para esclarecer o caso. O Comando do 28º Batalhão Metropolitano instaurou IPM, que está em fase de instrução. A apuração segue o prazo previsto na legislação”, informou a secretaria.