08/08/2012 - 21:00
Ao proferir suas declarações iniciais na tarde da quinta-feira 2, o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu início à segunda fase do julgamento dos 38 acusados do mensalão, esquema de desvio de dinheiro público por funcionários do primeiro governo Lula para comprar apoio dos deputados da base aliada. A sessão começou animada. Barbosa e o ministro Ricardo Lewandowisk se estranharam logo de saída, quando este concordou com o pedido dos advogados de defesa para desmembrar o processo, decisão que Barbosa classificou de “deslealdade”. Não será o único embate. Acusadores e defensores vão esgrimir todo o arsenal jurídico disponível contra ou a favor dos réus.
No entanto, tecnicalidades processuais à parte, os 11 ministros do Supremo têm em mãos a oportunidade de fazer História, assim mesmo, com maiúscula. Nunca antes neste país um julgamento foi tão importante, tanto em termos legais e jurídicos quanto por seu significado ético e social. Além de definir o destino dos réus, o STF poderá indicar à sociedade brasileira que chegou a hora de virar uma página quando tratar das complexas relações entre o bem público e a iniciativa privada. A modernização do Brasil pós-democratização tem sido um processo doloroso e desigual. Empresários e cidadãos têm feito sua parte. As empresas investiram tempo, capital e inteligência para melhorar sua transparência e sua governança.
A sociedade está mais tolerante com a diversidade e mais preocupada com o espaço público do que era há duas décadas, basta olhar o apoio à sustentabilidade. No entanto, a interação entre sociedade e Estado – no sentido amplo – ainda precisa avançar. A investigação do mensalão, que tem frequentado as manchetes com maior ou menor intensidade nos últimos sete anos, mostrou que, na prática, uma certa dose de malvadezas é inevitável para permitir o movimento das rodas do governo. Quando a discussão passa da teoria para a realpolitik do presidencialismo de coalizão brasileiro, o governo só funciona se os falcões da base aliada demonstrarem boa vontade – e esta tem preço.
Com as devidas alterações, esse pragmatismo do cidadão ao lidar com o setor público se estende às demais esferas de governo, passa pelos Estados e municípios e desce até os atos mais corriqueiros do dia a dia. O ato de entregar dinheiro a um deputado contém, em si, os mesmos elementos da tentativa do motorista flagrado acima da velocidade permitida de evitar uma multa. Toda generalização é perigosa (inclusive essa), mas é possível dizer que, a despeito dos avanços dos últimos anos, nenhum brasileiro se surpreende com práticas como essas. No entanto, esses maus costumes mostram a crescente dicotomia entre o velho e o novo no Brasil.
Dicotomia que não é privilégio deste ou daquele partido, que não diferencia idade, classe social, educação ou lugar de origem do cidadão. Por isso mesmo, é essencial que o Supremo condene os acusados do mensalão, desde que tenham sua culpa provada, com o máximo rigor. É preciso que sua condenação sinalize menos tolerância com malfeitorias realizadas com dinheiro público. É preciso reformar a maneira como o cidadão privado se relaciona com o poder público, e essa reforma só será bem-sucedida e duradoura se começar pelo andar de cima, envolvendo nomes de amigos do rei que, até há pouco, eram inatingíveis.