O casal Luan e Gil não queria mais perder horas no trajeto para o trabalho. Ao procurar uma alternativa, decidiu compactar a própria vida, de uma casa para 24 m². E junto de uma gata e uma cachorrinha. A ideia inicial não era essa, mas era o que cabia no orçamento. Experiências do tipo são cada vez mais comuns em São Paulo, que vive um movimento de migração interno: de residências de maior porte para apartamentos pequenos.

Um ou mais dormitórios, para baixa ou alta renda, as habitações estão em dimensão cada vez menor. Na cidade, 76% dos lançamentos têm até 45 m², enquanto opções amplas tendem a ser um luxo nos centros urbanos. Os motivos são vários: mercado imobiliário, custo, mudanças comportamentais e famílias menores.

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Nem a pandemia e a vontade de parte da população em viver em áreas mais amplas abalaram a tendência. A metragem média das unidades de até um dormitório na cidade caiu 40% em uma década: de 46,1 m² para 27,5 m², em 2021, segundo dados da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp). Os apartamentos de dois dormitórios perderam mais de 13 m², de 57,5 m² para 42,3 m².

Há uma tendência de redução no número de cômodos, cada vez mais integrados, em que um mesmo espaço é sala, cozinha, área de serviço e o que mais precisar. Por outro lado, outros estão quase em extinção, como lavanderia, escritório, cozinha segmentada e até corredores, enquanto as varandas estão quase onipresentes. As janelas, a altura do pé direito e outros aspectos que impactam na iluminação, ventilação e confortos térmico e ambiental também reduziram ou foram impactados.

Os novos moradores medem centímetro por centímetro e, por vezes, recorrem à troca de dicas na internet e à contratação de especialistas em reforma. Alguns se dizem satisfeitos e não querem trocar para um espaço maior tão cedo; outros veem limitações.

Para o maquiador Luan Siqueira Freitas, de 27 anos, e o atendente Gil Lima da Silva, de 28, mudar para um microapartamento exigiu adaptação de todos. “Nossa sala (anterior) era do tamanho do apartamento (novo)”, compara Freitas. O casal pesquisou referências nas redes sociais, visitou decorados e desenhou o próprio projeto. Todos os móveis da casa em que viviam antes foram doados ou vendidos, por causa das dimensões.

“Para me localizar em um lugar tão pequeninho, me esbarrava o tempo inteiro”, diz. A cachorrinha Atena foi a que mais teve dificuldades, mas ganhou passeios no condomínio para compensar a falta do quintal. Agora o casal diz que “pensando bem, cabe tudo.”

Hábitos

Já a secretária Janaína Wagner, de 29 anos, divide o apartamento de 34 m² e dois quartos com o marido e o filho de 3 anos. Tempos atrás, havia adquirido um de 56 m², mas a incerteza da pandemia a fez trocar. “Nosso apartamento é pequeno e tem tudo o que a gente precisa”, avalia.

“Tem sofá confortável, cozinha, cama de casal normal. Pra que mais?” Assim como Luan e Gil, ela compartilha a experiência de viver em apartamento pequeno no Instagram. Perfis em que moradores narram dúvidas e desafios nessas moradias têm se popularizado. “Montei para guardar minhas inspirações e tirar dúvidas de outras pessoas.”

Ao mesmo tempo, apartamentos menores levam a novos hábitos. Artigo de pesquisadores da FGV, de 2016, identificou redução no consumo, por não ter onde guardar, restrições a visitas e atividades externas mais frequentes.

As novas configurações de família influenciam. Segundo o IBGE, o total de pessoas que moram sozinhas subiu 43% em 10 anos. Esse grupo inclui solteiros, divorciados, idosos viúvos e quem não mora junto do cônjuge. Há ainda perfis de coabitação que ganham força, como residências com amigos e conhecidos (para além dos jovens universitários) e casais com um ou nenhum filho.

É o perfil dos clientes que buscam o arquiteto Glaucio Gonçalves, especializado em apartamentos compactos. Segundo ele, de 180 trabalhos nos últimos dois anos, quase todos eram para jovens e casais com o primeiro imóvel, saindo da casa dos pais ou do aluguel. “‘Comprei um studio e não sei onde começar’. É a pergunta que recebo pelo menos 10 vezes por dia.”. Entre as saídas mais comuns, retirar a porta da varanda, colocar porta de correr e móveis multifuncionais e planejados.

Novos tempos

“As pessoas passaram muito tempo em casa (na pandemia) e viram como os espaços estão desatualizados”, avalia Simone Villa, professora de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). “A falta de espaço e privacidade impacta nas relações.”

Professor na Mackenzie, Antonio Claudio Fonseca associa a tendência à perda do poder de compra. Embora o metro quadrado do compacto seja mais caro, o preço final fica mais acessível, sobretudo por financiamentos. “Décadas atrás, apartamento de um quarto era exceção”, afirma.

Além da migração de parte dos espaços (como a lavanderia) para áreas comuns dos condomínios, muda a distribuição do espaço interno. No compacto, a mesa de refeições vira um balcão, que ocupa o espaço de uma parede. Já a área de serviço é extensão da pia da cozinha. Em paralelo, as varandas ganham terreno.

“Antes, três ou quartos dormitórios partiam de 180m² a 200 m² para cima. Hoje conseguimos bons três dormitórios acima de 80 m²”, diz Eduardo Pompeo, diretor de Incorporação da Setin Incorporadora. Para ele, serviços sob demanda, de hospedagem, transporte e delivery influenciam, pelo aluguel de curta duração e para dispensar maior estrutura de cozinha e garagem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.