O dólar fechou em baixa firme no mercado doméstico nesta quarta-feira, 6, na contramão da onda de valorização da moeda americana no exterior, após a vitória do republicano Donald Trump na corrida à Casa Branca. O real apresentou de longe o melhor desempenho entre as divisas mais relevantes, incluindo desenvolvidas e emergentes.

Operadores e analistas atribuíram a apreciação do real a fatores técnicos, como ajustes e realização de lucros, além da expectativa de que o governo Lula anuncie nos próximos dias um pacote robusto de corte de gastos públicos.

O triunfo de Trump, que tem agenda protecionista e de redução de impostos, é potencialmente inflacionário – o que tende a limitar o espaço para corte de juros pelo Federal Reserve no próximo ano e, por tabela, levar a fortalecimento global da moeda americana. A aposta majoritária é que o Fed anuncie uma queda de 25 pontos-base na taxa básica amanhã, 7. O Comitê de Política Monetária (Copom) deve acelerar o ritmo de alta da taxa Selic hoje, com uma elevação de 0,50 ponto porcentual.

No início dos negócios, o dólar chegou a esboçar uma arrancada por aqui, tocando máxima a R$ 5,8619, nos níveis vistos em 1º de novembro, quando fechou no segundo maior valor nominal da história. Apesar disso, o real ainda apresentava desempenho superior a de seus pares, em especial do peso mexicano.

O dólar trocou de sinal no início da tarde e aprofundou as quedas ao longo da segunda etapa de negócios. Com mínima a R$ 5,6659, a divisa fechou em baixa de 1,26%, cotada a R$ 5,6759 – menor valor de fechamento desde 24 de outubro.

Para o economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, o “mercado comprou a tese” de que a vitória de Trump vai “forçar o governo a entregar um pacote crível de pacote de gastos” para evitar pressões adicionais sobre o real.

“Com a onda vermelha, o Brasil não tem espaço para qualquer tipo de derrapada fiscal. O grau de liberdade do governo se reduziu muito”, diz Borsoi, acrescentando que as moedas emergentes reduziram as perdas ao longo da tarde, o que contribui para as mínimas do dólar por aqui. “Além disso, os ativos locais estavam muito estressados e havia espaço para um ajuste.”

Além da moeda brasileira, apenas o rublo russo e o shekel israelense se apreciaram em relação ao dólar hoje. Principal par do real, o peso mexicano – que caiu mais de 2% pela manhã – chegou a operar pontualmente em terreno positivo. As moedas asiáticas apresentaram fortes perdas, dada a perspectiva de volta da guerra comercial entre EUA e China.

O índice DXY – termômetro do comportamento da moeda americana em relação a uma cesta de seis divisas fortes – superou os 105,400 pontos na máxima e girava ao redor do 105,100 pontos no fim do dia, em alta de mais de 1,60%. As maiores perdas foram do euro e do iene japonês.

O chefe da mesa de câmbio da EQI Investimentos, Alexandre Viotto, chama a atenção para fatores técnicos por trás do desempenho da moeda brasileira hoje. “O real pode ter sido usado como hedge nos últimas semanas. E hoje tivemos uma reversão dessas operações, o que trouxe o dólar para baixo”, diz Viotto.

Dado que o mercado futuro de câmbio local é mais líquido e de fácil acesso, investidores haviam aumentado a posição “vendida” em real contra o dólar nas últimas semanas para se proteger em caso de alta mais forte da moeda americana em relação a divisas emergentes por conta da vitória de Trump. Após a disparada da do dólar pela manhã, investidores partiram para realização de lucros e ajuste de posições, o que contribuiu para o alívio na taxa de câmbio.

Borsoi, da Nova Futura, acredita que há espaço para uma rodada adicional de apreciação do real caso o governo entregue um pacote de gastos que convença os investidores não apenas do cumprimento das metas fiscais como da sustentabilidade do arcabouço nos próximos anos. Ele não vê, porém, a possibilidade de uma taxa de câmbio abaixo de R$ 5,40 no curto prazo, justamente pela perspectiva de um dólar globalmente mais forte com a vitória de Trump.

“Temos outras questões que devem trazer volatilidade. A China pode aumentar os estímulos ao crescimento, o que é positivo para o real. Mas Trump deve trazer de volta a guerra comercial, o que é negativo. O impacto dessas forças divergentes sobre a moeda é uma incógnita”, afirma Borsoi.