Os navios de guerra dos Estados Unidos poderão em breve usar o Canal do Panamá de graça e com prioridade, depois de uma reunião entre os dois países nesta semana. Mas a decisão levanta questionamentos sobre o quanto a soberania panamenha está em jogo com a concessão à pressão americana para minar a influência chinesa na América Latina.

O anúncio ocorreu na quarta-feira, 9, após um encontro entre o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, e o presidente do Panamá, José Raul Mulino, num contexto de alta tensão desde o retorno de Donald Trump à Casa Branca em janeiro.

A hidrovia de 82 quilômetros é estratégica para os EUA e vários outros países porque permite aos navios passar facilmente entre os oceanos Pacífico e Atlântico sem serem descarregados ou navegar pela América do Sul.

O republicano sempre rotulou as taxas de uso do canal como “mau negócio”. De acordo com o tratado de neutralidade do canal, todas as nações pagam o mesmo valor.

Marcando sua oposição à crescente influência da China na região, o presidente também já falou várias vezes em “recuperar” o canal, que os EUA cederam ao Panamá em 1999. Ele não descartou uma invasão militar para atingir o objetivo.

“Soberania” em telefone sem fio

Mulino já vinha trabalhando para apaziguar o governo Trump. Após uma visita em fevereiro do Secretário de Estado americano, Marco Rubio, o Panamá confirmou que sairia da iniciativa chinesa Cinturão e Rota, ou Nova Rota da Seda. O seu governo ainda pressionou os conglomerados chineses que possuem portos panamenhos a saírem do país.

Além disso, o Panamá e os EUA concordaram que tropas americanas poderão ser destacadas em áreas de acesso e adjacentes ao canal do Panamá, segundo um acordo assinado entre os dois países divulgado pela agência AFP.

O governo panamenho descarta que sejam bases militares, um assunto delicado no país centro-americano. Em vez disso, Militares os EUA poderão utilizar as instalações e áreas autorizadas para treinamento, exercícios e outras atividades.

O pacto, que vigorará inicialmente por três anos, prevê que as instalações serão propriedade do Estado panamenho e serão de “uso conjunto” pelas forças de ambos os países.

O Panamá proíbe por lei o estabelecimento de bases militares, e desmantelou o Exército após a invasão dos Estados Unidos, em 1989, para capturar o ex-ditador Manuel Antonio Noriega, acusado de tráfico de drogas.

Mas ainda há um ponto de discórdia. A versão em espanhol da declaração conjunta desta semana, divulgada pelo Panamá, dizia que “Hegseth reconheceu a liderança e a soberania inalienável do Panamá sobre o Canal do Panamá e suas áreas adjacentes”. A frase não apareceu na versão em inglês divulgada pelo Pentágono.

“Acredito que tenha sido proposital não colocar isso na versão em inglês, para fazer com que o Panamá se sentisse inseguro e que a situação não foi resolvida,” afirma Natasha Lindstaed, cientista política da Universidade de Essex, no Reino Unido.

Influência chinesa

Ao contrário do que afirma Trump, o canal não foi presenteado aos panamenhos, nem é controlado pela China.

Os EUA construíram o Canal do Panamá entre 1904 e 1914. As negociações para devolver o controle ao país da América Central começaram no governo do democrata John F. Kennedy, no início da década de 1960, e se estenderam até 1977.

O Panamá assumiu o controle do canal na véspera do Ano Novo de 1999, sob a condição de que fosse operado de forma neutra.

Mas a China exerce influência no canal. O país é o segundo maior usuário da hidrovia, atrás dos EUA, e empresas chinesas operam portos em cada extremidade.

Intervenção militar em pauta

Enquanto Trump trabalha para minar a influência da China ao redor do mundo — por exemplo, com a sua guerra comercial —, uma intervenção militar representaria uma reviravolta dramática na política externa americana.

No Panamá, protestos acontecem regularmente desde que Trump falou pela primeira vez em retomar o canal. Nesta semana, cerca de 200 pessoas protestaram contra a visita de Hegseth na Cidade do Panamá, e um manifestante queimou uma bandeira dos EUA.

“Isso basicamente dominou as manchetes no Panamá, com total perplexidade e medo”, diz Lindstaed. “Os EUA não são muito populares no Panamá no momento.”

No entanto, Jorge Heine, ex-embaixador chileno na China e especialista em Relações Internacionais da Universidade de Boston, acredita que é improvável que os EUA avancem com uma intervenção militar.

“O presidente Trump combina uma retórica que, às vezes, pode soar extremamente agressiva”, disse à DW. “Mas, ao mesmo tempo, ele demonstrou que realmente não está muito interessado em ser um fomentador de guerras e em empregar a força militar dos EUA de forma tão agressiva quanto alguns de seus antecessores.”