Ministro diz que lobby bolsonarista junto a Trump é “covarde e criminoso”, vê atuação “miliciana” para tentar coagir o Judiciário e assegura que o STF vai concluir o julgamento de Bolsonaro por trama golpista.O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes classificou nesta sexta-feira (01/08) como “covarde, traiçoeira e criminosa” a articulação de brasileiros nos EUA por sanções contra o Brasil e os ministros da Corte em prol do ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Temos […] diversas condutas dolosas, conscientes, de uma verdadeira organização criminosa que de forma jamais anteriormente vista em nosso país age de maneira covarde e traiçoeira com a finalidade de submeter o funcionamento deste STF ao crivo de um Estado estrangeiro”, disse ele durante a reabertura dos trabalhos da Corte após o recesso.

Moraes também afirmou que vai “ignorar” as sanções da Casa Branca que o atingiram individualmente e “continuar trabalhando”.

Esta é a primeira vez que Moraes responde publicamente à pressão imposta pela Casa Branca contra o processo no qual Bolsonaro é réu acusado de tentar dar um golpe de Estado.

Um dos filhos do ex-presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, lidera o lobby bolsonarista nos EUA pela aplicação de barreiras tarifárias contra o Brasil e pelo enquadramento do ministro na Lei Magnitsky, que o impediu de entrar ou realizar transações financeiras em território americano.

Para Moraes, atuação nos EUA é “miliciana”

Sem citar Eduardo nominalmente, Moraes chamou a atuação de brasileiros no exterior de “miliciana” e a classificou como uma tentativa “tirânica” de criar impunidade e interferir no julgamento da trama golpista.

“Atuam por meio de atos hostis, mentirosos, derivados de negociações espúrias e criminosas com a patente finalidade de obstrução da Justiça […], gerando reflexos nocivos à economia e à sociedade brasileira. É uma verdadeira traição à pátria”, continuou o ministro.

Para o magistrado, os envolvidos confessam de forma “flagrante” os crimes de coação, obstrução de investigação e atentado à soberania nacional ao vincularem nas redes sociais a suspensão das sanções a uma anistia aos envolvidos na trama golpista.

Moraes citou, como exemplo, a declaração de Eduardo Bolsonaro contra os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, indicando que ambos seriam alvo de sanções econômicas se não pusessem em votação um projeto de lei que anistiaria os réus.

“Fazem isso diariamente nas redes sociais ameaçando as famílias dos ministros do STF, do Procurador-Geral da República, em uma atitude costumeiramente afeta a milicianos do submundo do crime. […] Esta Corte, a PGR e a Polícia Federal não se vergarão a essas ameaças.”

Eduardo Bolsonaro é diretamente investigado por suspeita de coação. O ex-presidente também cumpre medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica, pelo risco de obstrução da Justiça.

“Ao fazerem as postagens, dizem ainda há tempo caso você aceite a torpe coação. Acham que estão lidando com pessoas da laia deles, com milicianos, mas não estão. Estão lidando com ministros da Suprema Corte brasileira”, argumentou, prometendo a responsabilização integral da “organização criminosa”.

Prenúncio de nova tentativa de golpe

Moraes criticou como “patética” a tentativa de favorecer os acusados da trama golpista. Ele defendeu que o processo penal corre de forma transparente, com a oitiva de 31 réus, 149 testemunhas de defesa e compartilhamento das peças com quase 100 advogados.

Ao descrever o lobby bolsonarista por sanções dos EUA ao governo e a autoridades brasileiras, Moraes comparou-o às ações que levaram à invasão da Praça dos Três Poderes, sugerindo que nos dois casos o objetivo era gerar uma “comoção nacional” que possibilitasse o golpe.

“O modus operandi golpista é o mesmo”, disse o ministro. “O incentivo à taxação do Brasil, o incentivo à crise econômica, que gera crise social e política para que novamente haja instabilidade social e possibilidade de um novo ataque golpista.”

Gilmar Mendes defende Moraes

Durante a abertura dos trabalhos, outros magistrados também se manifestaram. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, saiu em defesa de Moraes, também chamou a articulação bolsonarista nos EUA de “covarde” e disse que o STF “não se dobra a intimidações”.

“Aos propagadores da instabilidade e do caos, […] que se autointitulam patriotas mas que trabalham abertamente contra os interesses de seu próprio país, não tenham dúvida de que seus atos criminosos […] receberão uma resposta à altura por parte do Estado brasileiro”, disse.

Segundo Moraes, relator do processo contra Bolsonaro, as ações penais dos quatro principais núcleos da trama golpistas devem ser julgadas ainda neste ano.

Embora tenha denunciado uma suposta “caça às bruxas” contra Bolsonaro, esse não foi o único motivo que levou a Casa Branca a sancionar Moraes e as exportações brasileiras: os EUA também estão insastisfeitos com ordens judiciais que restringem a atuação de plataformas americanas, supostas “práticas desleais” e o não alinhamento do Brasil à agenda geopolítica de Donald Trump.

gq/ra (ots)