22/12/2017 - 8:00
O frio na barriga só passou quando eu já estava paramentado com as vestimentas do bom velhinho. Em pleno dezembro brasileiro, dentro daquela roupa, não há ar condicionado suficiente. Sim, querido leitor: por uma tarde fui Papai Noel de shopping. Ho, ho, ho.
No dia 29 de novembro, estive frente à frente com Orlando Wohnrath Junior. Aos 67 anos, o segurança aposentado é quem eu queria ser – por uma tarde. Desde 2009, ele encarna o Papai Noel do Shopping Pátio Paulista, na região central. Do início de novembro até a véspera do Natal. Pedi a ele que me ensinasse os macetes da profissão. “Vou ensinar. E vou correr o risco de ganhar um concorrente, porque vai ser tão gostoso que você vai querer ser Papai Noel mesmo.” Pronto, meu professor era a empatia encarnada e não se negou a passar nenhuma dica, tudo naquele vozeirão típico.
“A criança acredita em você”, disse. “Pergunte se ela se comportou, se escovou os dentes todos os dias. Pergunte o que ela quer ganhar. Mas, como você não sabe se o pai ou a mãe podem dar aquilo, responda sempre que vai tentar, que precisa ver se seus ajudantes vão conseguir fabricar a tempo.”
São cerca de cem velhinhos, todos de barba branca e barriga avantajada (sempre naturais), que trabalham como em shoppings da cidade. São a elite da profissão, já que os shoppings costumam ser mais exigentes do que outros empreendimentos, como supermercados. Trabalham do início de novembro até a véspera do Natal. Os cachês variam entre R$ 20 mil e R$ 50 mil pela temporada.
“Você está magrinho”, disse Rafaela Moraes, responsável pelos figurinos do shopping enquanto eu provava a roupa. “Magrinho para um Papai Noel, quis dizer.” Acertamos que 7 de dezembro seria meu “grande dia”.
Um apertado quartinho nos fundos do fraldário do shopping foi o camarim. Enquanto me vestia, já começava a rogar pragas ao calor. Ao lado de minha noelete, Paloma Dantas, caminhei do fraldário infantil até o recinto central da decoração natalina. Saboreei cada movimento. Batia o sino e todos olhavam. Eu era o Papai Noel.
Minha primeira interação com uma criança não foi bem sucedida. Chorou ao me ver. Voltei para o trono desolado. Paloma me consolou: “É assim mesmo”. Depois melhorou. Veio o Felipe, de 3 anos. E me pareceu que acreditou em mim. “Como você cresceu, Felipe”, eu disse, recebendo-o com um abraço. Precisei perguntar três vezes para entender o que ele queria ganhar: um videogame.
A prova maior de que Felipe realmente acreditou em mim foi quando estava voltando para o fraldário para “alimentar minhas renas” – eufemismo usado para quando o Papai Noel tira uns minutinhos para ir ao banheiro. Ele me viu no corredor e veio. “Papai Noel, Papai Noel!”
Leite com chocolate
Mas preciso falar sobre Luiza, de 5 anos, que quer uma boneca que chora. Ela me cochichou que vai deixar um copo de leite para mim na noite de Natal. “Você gosta quente ou frio?” Respondi que quero morno. E com chocolate.
Luiza realmente acredita em Papai Noel. Ela realmente acreditou em mim. Fiquei comovido. Quando saí de cena, ao contrário do que imaginava, não estava de saco cheio de ser Papai Noel. Apesar de reconhecer que tudo seria bem mais fácil se barba e barriga fossem verdadeiras – aqueles fiapos na minha cara descolando ao suor e o estofamento na barriga cedendo aos movimentos, melhor esquecer. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.