10/01/2021 - 16:00
No vácuo legal deixado pelo governo federal, que não regulamentou o projeto de lei de 2018 que autoriza apostas esportivas no País, operadores do jogo do bicho e grupos estrangeiros estão explorando o mercado. Apostas em jogos de futebol são oferecidas em bancas controladas por contraventores por meio de terminais eletrônicos informatizados e sites hospedados no exterior.
A exploração das apostas esportivas foi aprovada pelo Congresso em dezembro de 2018. O prazo de dois anos para regulamentação venceu no último dia 18 e foi prorrogado automaticamente por mais dois anos. Por meio da regulamentação, o governo criaria regras para a atuação das empresas no mercado. Como isso não foi definido, empresários brasileiros são impedidos de entrar no setor que, segundo projeções, movimenta R$ 6 bilhões por ano no Brasil – e o governo deixa de arrecadar tributos.
Sites estrangeiros como Bet365, Betcris e SportingBet vendem apostas no País, sem regulamentação, patrocinam times de futebol, placas em estádios e programas de TV. Levantamento feito pelo Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL) mostra que o Bet365 teve 82 milhões de acessos no Brasil em setembro do ano passado. O SportingBet teve 12 milhões de entradas no mesmo período. Ambos pertencem a empresas do Reino Unido. Esses grupos estão sujeitos à legislação dos países onde declaram ter suas sedes, embora sejam abertos a clientes brasileiros.
Segundo o presidente do IJL, Magno José Santos de Sousa, existem cerca de 450 sites hoje no Brasil oferecendo apostas. Em outubro do ano passado o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou acórdão do julgamento no qual decidiu que a União não tem monopólio sobre o setor de apostas abrindo brecha para que Estados e municípios criem suas próprias loterias (mais informações na pág. A5). Levantamento feito pela consultoria KPMG a pedido de empresas interessadas no setor mostra que o mercado de jogos online no Brasil tem potencial de movimentar US$ 2,1 bilhões (R$ 11,3 bilhões) por ano depois de regulamentado.
Além dos grupos estrangeiros, o jogo do bicho também lucra com a falta de regulamentação. Nas últimas semanas, a reportagem do Estadão encontrou bancas oferecendo apostas esportivas em pelo menos três pontos da cidade de São Paulo, desde bancas de jornais e padarias na periferia até no bairro dos Jardins.
Na Alameda Tietê, nos Jardins, a única pista de que o estabelecimento é, na verdade, um ponto da contravenção é um calendário, com os 25 animais usados no jogo do bicho e seus respectivos números, pendurado na parede. Um homem apoiado em uma banca recebe as apostas da contravenção e já pergunta logo de cara se o “freguês” também quer arriscar a sorte nos resultados do futebol.
Não existe limite mínimo de valor para os palpites. A cotação dos prêmios varia de acordo com critérios esportivos como a colocação dos times no campeonato e mando de jogo. É possível apostar em praticamente qualquer combinação de resultados: vitória ou empate de um dos times, placar geral, gols no primeiro ou no segundo tempo, etc. Quanto mais improvável o resultado, maior é o prêmio. Uma aposta de R$ 5 no placar exato de um jogo do Campeonato Brasileiro a favor do time visitante, por exemplo, pode pagar 12 vezes o valor investido (R$ 60).
O palpite, registrado no site Fourbet por meio de um aplicativo de celular, pode ser pago em dinheiro ou cartão. O apostador recebe um comprovante impresso com todos os detalhes da aposta e pode reclamar o prêmio no mesmo local.
Os interessados neste tipo de jogo podem fazer a mesma coisa se cadastrando em qualquer site de apostas esportivas, mas, segundo o operador da banca, nos pontos da contravenção não é necessário fornecer documentos e o pagamento pode ser feito em dinheiro.
Julgamento
O presidente do STF, ministro Luiz Fux, pautou para 7 de abril o julgamento da ação – com repercussão geral – sobre a validade da Lei das Contravenções Penais, de 1941. Com isso, o tribunal pode liberar o jogo do bicho. Segundo analistas, no entanto, o acórdão do próprio STF que permite a criação de loterias e sistemas de apostas pelos demais entes federados abre brecha para que a atividade, proibida desde o Estado Novo, seja legalizada.
“Nada impede que um Estado ou município crie uma loteria na qual a matemática do jogo seja baseada em dezena, centena e milhar e utilize imagens de animais, peixes ou qualquer outra coisa que, na essência, é igual ao jogo do bicho”, disse o advogado Andre Feldman, especializado no tema. O jogo do bicho foi criado em 1892 pelo barão João Batista Vieira Drummond como forma de financiar a manutenção do zoológico do Rio e proibido em 1941 por Getúlio Vargas.
Leis para o setor devem sair em julho, diz governo
A responsabilidade pela regulamentação das apostas esportivas é da Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria do Ministério da Economia (Secap-ME). Segundo o atual secretário, Waldir Eustáquio Marques Jr., a regulamentação deve sair em julho deste ano.
“As apostas esportivas têm algumas peculiaridades, diferentes das loterias tradicionais, e envolvem requisitos muito fortes de tecnologia que precisam ser bastante estudados, como a integridade do esporte, prevenção à lavagem de dinheiro, prevenção à patologia de jogadores vulneráveis”, disse Marques. “Os técnicos da administração têm estudado bastante, participado de vários eventos, se capacitado para a gente poder regulamentar essa atividade sem ter que dar um passo para a frente e outro para trás.”
Marques, um técnico do governo que trabalha há 13 anos no setor, assumiu o posto em fevereiro do ano passado no lugar de Alexandre Manoel, que deixou a administração – a pedido – depois de o Estadão revelar que o advogado Pedro Trengrouse, assessor não remunerado da Secap-ME, oferecia serviços particulares a empresas interessadas no setor enquanto assessorava o governo.
O Palácio do Planalto estima que pode arrecadar entre R$ 4 bilhões e R$ 10 bilhões somente com a regulamentação das apostas, sem contar a tributação sobre a atividade. Segundo Marques, a gestão anterior esteve bem perto de aprovar um regime que previa a possibilidade de empresas explorarem o setor pelo regime de autorização. Agora a Secap-ME trabalha com a ideia de concessão.
“Chegamos bem perto. A secretaria estava trabalhando na frente de autorização. E, nessa questão, enxergamos alguns pontos que poderiam ser prejudiciais. Então tivemos que dar esse freio, rever o modelo, para poder seguir com segurança”, disse o secretário.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.