Raras são as vezes no mundo dos negócios que temos de nos preocupar tanto com aspectos culturais e da moralidade quanto os empreendedores dos negócios relacionados ao mercado de apostas.

Já era assim quando esse mercado versava quase que exclusivamente sobre pôquer, mas agora, com o poder das bets, das apostas – em especial as esportivas -, tratamos de um tripé muito delicado:

Sonho de fazer dinheiro rápido X paixão que os esportes (em especial o futebol) suscitam X geração de muito dinheiro!

Tudo isso regado a um tempero de populismo de governos e analfabetismo financeiro funcional.

O Brasil jamais abandonou sua vocação de país “apostador”, vejam a pujança das loterias da Caixa, dos títulos de capitalização nos moldes Tele Sena e do jogo do bicho. Mega estruturas que se consolidaram em reserva de mercado, tendo como agente o próprio governo, vácuo de regulação e vácuo legal respectivamente.

O ato de apostar está na vida humana há muito tempo. Alguns estudiosos encontraram vestígios de apostas que os caçadores-coletores faziam em disputas de lançamento de pedras e flechas há quase 10 mil anos. Há cerca de 2.500 anos houve grande popularização das apostas, tanto no mundo grego quanto na poderosa Roma.

A promessa mental de “ganho fácil”, ainda mais em momentos difíceis, está no inconsciente coletivo desde sempre, uma mistura de fé irracional e desespero causal.

As respostas da sociedade organizada (Estado e Governos), ao longo desse tempo, sempre oscilaram entre:

– A administração do Estado – Foco na arrecadação e na pacificação, e;

– A proteção do indivíduo – Moralismo (religioso e laico) focado nos malefícios do vício e nas ligações muitas vezes encontradas entre os atores do segmento e o crime/contravenção.

No Brasil, o embate acima perdura desde sempre. Já no período do Império, temos registro da existência de cassinos e casas de aposta diversos, que se aproveitavam de um “vácuo legal”, ou seja, não havia leis que proibissem a atividade nem lei que as regulamentasse, ao menos até 1917, quando um forte clamor moralista. Isso fez com que alguns Estados brasileiros adotassem medidas proibitivas, houve um hiato no crescimento desse negócio.

Isso perdurou até 1933, ano em que o presidente Getúlio Vargas, como estratégia para o crescimento da arrecadação, promulgou uma lei que autorizava o funcionamento de cassinos, bingos e casas de jogos em geral. Iniciava-se aí o período de ouro desse negócio no Brasil. Diversos cassinos foram abertos (Urca, Montserrat em Santos e até em pequenas cidades). Quase uma centena de cassinos foram inaugurados nesse período, um sem número de bingos também, gerando um boom econômico que durou até 1946.

Nesse ano, o então presidente da República Eurico Gaspar Dutra sancionou e complementou o decreto de 1941, proibindo definitivamente a exploração de jogos de azar no Brasil. Proibição essa que perdura até hoje, com apenas dois desvios nesses quase 80 anos: a liberação para o negócio de loterias da Caixa Econômica Federal em 1962 e o período entre 1993 e 2004 em que, sob uma estrutura específica, foi permitida a existência de bingos. Apesar de se pronunciar favoravelmente a esse mercado, o então presidente Lula voltou a proibi-lo após forte clamor com o escândalo Carlinhos Cachoeira.

Dada essa história, fica muito claro que a colisão de duas abordagens vem sendo a tônica do comportamento do Brasil frente ao negócio de jogos de azar:

  1. Abordagem de Estado – Jogos de azar = Muitos empregos, maior arrecadação, desenvolvimento. Apesar da sempre confusa coexistência desses negócios com o crime, a contravenção, a corrupção;

  2. Abordagem de indivíduo – Proteção da pessoa e das famílias, dado o potencial viciante do tema, a possibilidade de fraudes e falcatruas. O moralismo religioso ou não e seus impactos eleitorais.

Nós, da Ultratalks, somos a favor de liberação com ambiente regulatório forte, de forma a capturar os benefícios do segmento, provendo algum nível de segurança à sociedade.

Quanto às pessoas exagerarem ou não, cremos que o Estado não tem capacidade para cuidar disso, o mesmo se dá com o uso de cigarros, bebidas alcoólicas etc.

Trouxe esse tema pois entendemos que os itens abaixo são fundamentais, quanto mais consigamos explorá-los, para solidificar o Brasil nesse tema:

  1. A regulação que acaba de ser formulada;

  2. O arcabouço tributário desse negócio;

  3. Os artefatos prudenciais (do ponto de vista dos provedores e dos usuários)

  4. Uma discussão de “partes relacionadas” (exemplo: como blindar o jogador de futebol para não cometer fraudes esportivas?)

Achamos uma amplitude válida, uma vez que o tipo de plataforma não deveria ser o fator decisor e lamento pela discussão ainda não considerar a regulamentação de casas físicas (cassinos e bingos), permitindo ao país gerar divisas, empregos e desenvolvimento regional com incremento do turismo, por exemplo.

Nós, dos mercados financeiro e de pagamentos, agradecemos, pois agora poderemos prover serviços a esse segmento tão pujante, baseados em arcabouço regulatório específico, que norteará os prudenciais que deveremos adotar.

Um mercado de centenas de bilhões de reais, com uma cadeia razoavelmente extensa que produzirá muito dinheiro, mas que requer muita discussão e aperfeiçoamento, não somente do arcabouço regulatório, mas também das cadeias prudenciais e de uma contundente fiscalização.

Permitir que essa cadeia produza riquezas no Brasil, para os brasileiros, já é trilhar um caminho de melhora, tratar o tema com a realidade que já se impõe (milhares de brasileiros já apostam, online e/ou presencialmente), objetivando um nível inteligente de controle é a nosso ver o caminho mais produtivo.