07/04/2022 - 7:18
Esqueceu um ingrediente no meio da receita? Faltou aquela garrafa de vinho para o jantar entre amigos que estão prestes a chegar? A solução dos problemas está a menos de cinco cliques e a apenas alguns minutos de distância. Ao abrir aplicativos de delivery, a promessa de entrega rápida aparece ainda na primeira tela. No iFood, o cliente acessa o serviço Conveniência e a foodtech promete mercadorias como bebidas, sorvetes e alguns lanches em até 15 minutos. Já no concorrente Rappi, o serviço Turbo garante entrega em até 10 minutos. Promessa feita, se a entrega atrasar a punição recairá sobre o motociclista.
Na ponta de lá, o app sinaliza um novo pedido ao motociclista. A partir daí, ele tem de 10 a 15 minutos para entrar no estabelecimento, encontrar os produtos solicitados pelo cliente, pagar a mercadoria no caixa, acomodá-la na motocicleta, colocar o endereço no Waze e pilotar até o destino final. Ele corre para fazer a entrega no prazo estabelecido por algum executivo das startups que, detrás de uma mesa em um confortável escritório, deve acreditar que a promessa é factível. E, como a realidade tem mostrado, até é, mas a que custo?
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Dados do Infosiga-SP, plataforma para monitoramento de trânsito, mostram que das 4.844 mortes no trânsito registradas no ano passado no estado, 1.781 eram de motociclistas. Ainda que não seja possível determinar a correlação exata entre as mortes e a exigência de prazos cada vez menores pelos deliverys, o resultado dessa política da entrega imediata é visível a qualquer cidadão nas ruas de grandes cidades: motociclistas que não respeitam nenhum sinal vermelho, fazem retornos proibidos, cruzam de uma mão para outra por meio dos canteiros, entram na contramão para chegar mais rápido ao destino. Regras? De trânsito? Não existem. No fim das contas, a promessa da entrega expressa vem às custas da integridade física e até da vida de motociclistas e de demais cidadãos como uma espécie de efeito colateral.
Enquanto isso, Rappi e iFood mantêm promessas de entregas cada vez mais velozes com o mesmo esforço de marketing que usam para divulgar suas “boas práticas ESG”. Mas a sociedade precisa começar a se questionar se há como celebrar a adoção da economia circular para reduzir a quantidade de plásticos, se vidas estão sendo prejudicadas. Os aplicativos precisam ponderar se vale anunciar a transformação de bags usadas em novos produtos, se elas estão nas costas de motociclistas que precisam arriscar sua vida no trânsito para cumprir a promessa de entregas em menos de 15 minutos.
ESG tem relação direta com o impacto que a empresa causa na sociedade. A tal da materialidade. Impedir as bags de pararem no meio ambiente é sem dúvida importante, mas não chega nem perto da relevância de cuidar da vida dos seus parceiros, sem os quais, por sinal, o negócio não existiria. Além de não respeitar o pilar S de social, vale destacar que toda e qualquer promessa de entrega rápida fere a lei brasileira. Em vigor desde 2011, a Lei 12.436/2011, mais conhecida como Lei do Habib ‘s proíbe práticas que estimulam a velocidade dos entregadores. É isso que os apps estão prometendo e é nesse modelo que os consumidores estão sendo evangelizados: imediatismo a qualquer preço. O ESG e suas atitudes responsáveis que fiquem no discurso.