19/10/2025 - 8:00
A disputa de gigantes pelo mercado de delivery brasileiro segue a toda força. Seis meses após a Keeta, Rappi e 99 anunciarem investimentos bilionários no país, as empresas lançaram inovações, ingressaram em novas disputas judiciais ou até ampliaram o capital investido em seu crescimento.
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Ainda assim, parece difícil que alguma delas consiga sobrepor o domínio do iFood no país. “Não se trata de um serviço em que é fácil você entrar”, analisa o economista João Branco, professor do curso de administração da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). “Você precisa de escala, precisa ser grande”, diz.
O professor considera no entanto que as movimentações das empresas renderão impactos logo. “Eu acredito que vá ter mudanças no curto, pode ter sim uma queda de preços com a entrada desses novos entrantes”, diz.
Quais as novidades anunciadas pelas empresas?
Ifood: Após o acirramento de sua concorrência, o líder no mercado fechou uma parceria com a líder do segmento de mobilidade, a Uber. As empresas prometem ter uma integração dos aplicativos até o final do ano, que tornará possível solicitar uma corrida no app de delivery e vice-versa.
A empresa fez também uma série de anúncios de tecnologia, como uma inteligência artificial generativa que promete ajudar na escolha de pedidos através de comandos subjetivos como “jantar romântico” ou “comida leve que chegue em até 30 minutos”. Em Sergipe, a empresa expandiu um serviço de entregas por drones para todos os dias da semana, e afirma que o serviço pode estar em outras partes do país em breve.
A líder de mercado até está se propondo a fazer o inverso do que sempre fez. O iFood acelerou seu plano para levar as pessoas aos restaurantes. Nos últimos 12 meses, a empresa movimento R$ 1 bilhão por meio da sua própria máquina de pagamentos, impactando os clientes por meio do aplicativo e os incentivando a conhecer restaurantes próximos de sua localização. Esse aliás, é o produto que mais cresce dentro da empresa atualmente.
Keeta: A empresa ainda não iniciou oficialmente o serviço no país, anunciado para o dia 30 de outubro em Santos e São Vicente, no litoral paulista. O aplicativo promete estar disponível na capital do estado antes do final de 2025.
Nas cidades onde iniciará seu funcionamento, a empresa afirma contar com 700 restaurantes cadastrados. Divulgou ainda que serão feitos ajustes em sua tecnologia, que inclui um “capacete inteligente” cujo funcionamento ainda não foi detalhado.
Rappi: Segunda plataforma em números de pedidos de comida no país e presente em mais de 100 cidades, o Rappi não acumula anúncios como suas rivais. Apesar de ter divulgado que zeraria taxas sobre restaurantes e exibirá em uma campanha de marketing seus preços mais baratos, a tal publicidade não ocorreu.
“O mercado de delivery é dinâmico por natureza e correções de rota são realizadas a todo o momento. Seguimos com a política de taxa zero para estabelecimentos entrantes e os antigos da base de modo a garantir preços mais equilibrados para o consumidor final”, afirmou a empresa sobre o assunto em nota. “Optamos por concentrar investimentos em anúncios diretamente na plataforma, onde somos muito ativos em promoções.”
A empresa segue no entanto divulgando novidades fora do setor de entrega de comida pronta, como novidades em seu Rappi Turbo, serviço de entregas rápidas que passará a contar com cada vez mais artigos, como peças de vestuário. A empresa também assinou um contrato com a Amazon para investimentos, com possibilidade de que parte de suas ações sejam compradas pela companhia de Jeff Bezos.
O aplicativo conta com 30 mil restaurantes cadastrados no país atualmente.
99Food: O braço de entrega de comida pronta do grupo chinês Didi aproveitou-se de já estar presente no país com o aplicativo de mobilidade 99. Nas cidades em que inicia seus serviços, os pedidos de delivery são realizados na mesma plataforma em que é possível solicitar carros ou até usar como banco através do serviço 99Pay.
O 99Food já está funcionando em três capitais e suas regiões metropolitanas: Goiânia, São Paulo e Rio de Janeiro. A empresa afirma buscar a meta de 100 cidades até junho de 2026. Para além da liderança do iFood, a empresa no entanto deve superar desafios internos, como a ausência de vale refeição em sua plataforma e bugs, como uma falha de mais de 24 horas na última semana.
Em sua estratégia de ingresso no mercado, a empresa tem distribuído vários cupons de desconto para os consumidores. Também zerou taxas de restaurantes que garantem o mesmo preço no delivery e no salão, o que faz com que restaurantes apareçam com valores menores do que no iFood, por exemplo.
Brigas na justiça
Para além das melhorias em seus respectivos negócios, as empresas tem travado também disputas jurídicas. Em agosto, a Keeta anunciou uma ação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) por conta de contratos de exclusividade e semiexclusividade fechados pela 99 com alguns restaurantes. Em outubro, o Rappi solicitou ingresso na ação como parte interessada.
A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) tomou as dores da Keeta nesse caso. A associação solicitou ingresso como terceira interessada em ação movida pela Keeta contra a 99Food, reforçando que “as plataformas devem competir pela preferência de consumidores e restaurantes por meio de atributos como taxas competitivas, melhores serviços e inovação, e não pela captura de canais e parceiros comerciais com o objetivo de excluir concorrentes”.
Nos contratos criticados pelas rivais, a 99Food estabelece contrapartidas financeiras para estabelecimentos que comercializarem apenas em seu aplicativo, ou que limitem suas vendas em plataformas rivais. Em entrevista à IstoÉ Dinheiro, o CEO da empresa negou que tenha força para barrar a entrada de rivais.
“A decisão do CADE pode ter, eventualmente, impacto direto no modelo de negócios da 99Food, pois se entender que tal ou qual prática é anticoncorrencial, ela terá de ser suspensa e a 99Food terá que mudá-la, o que poderá modificar todo o seu modelo de negócio no País”, afirma o advogado Mário Nogueira sócio de M&N e concorrencial do NHM Advogados.
A 99Food acabou por em outra ação judicial. A empresa acusa a Keeta de violação de marca, já que a plataforma chegará ao país com as mesmas cores já usadas pela 99: o amarelo e preto.
“Se ficar evidenciado que o amarelo da Keeta de fato gera confusão no consumidor e que este quando vê o amarelo da Keeta pode achar que está contratando a 99, então a Keeta pode ser obrigada até a mudar sua marca, mas isso tem que ser provado dessa forma”, analisa a advogada Patricia Agra Araújo, sócia de Direito Concorrencial e Compliance do L.O. Baptista.
Segundo Fernando Moreira, especialista em Direito Empresarial e doutor em engenharia de produção com ênfase em Governança e Compliance, a Keeta poderia ser condenada ao pagamento de indenização por danos materiais, como pagamento dos lucros cessantes decorrentes de eventual desvio de clientela.
A Abrasel também entrou na briga com o iFood. A entidade protocolou no Cade uma representação formal contra a plataforma, alegando práticas anticompetitivas. Segundo a entidade, a plataforma teria se transformado em um “ecossistema digital fechado”, impondo serviços próprios como a solução de pagamentos com taxas acima da média do mercado, além de práticas de venda casada que aumentam a dependência dos restaurantes.
Investimentos no delivery
Os investimentos anunciados pelas empresas foram voluptuosos. No entanto, a maior quantia ainda é do líder iFood. A empresa afirma que dispõe de R$ 17 milhões em investimentos diretos entre abril deste ano e março de 2026. Seu objetivo é ter 80 milhões de clientes até 2028 – hoje, são 60 milhões.
Entre as concorrentes, a Meituan anunciou o maior valor, de R$ 5,6 bilhões, para lançar seu aplicativo no país, o Keeta. A empresa porém enfrenta o maior desafio, já que nunca atuou no país e não tem uma base de clientes já cadastrados. No dia 30 de outubro, o app será lançado oficialmente nas cidades de Santos e São Vicente, no litoral de São Paulo.
Com o segundo maior valor, a 99Food pretendia investir R$ 1 bilhão no seu primeiro ano. Após seu lançamento oficial em Goiânia e São Paulo, a empresa dobrou o valor para R$ 2 bilhões.
O investimento mais modesto, de R$ 1,4 bilhão, é do Rappi. A empresa conta com uma vantagem sobre as outras duas novas competidoras ao já oferecer serviço de delivery de comida em diversas partes do país.