05/07/2021 - 3:47
O “misyar”, um casamento sem compromisso realizado muitas vezes em segredo, permeia rapidamente a sociedade saudita, especialmente entre homens sem recursos para um casamento tradicional caro, embora os críticos o denunciem como uma forma de legitimar a promiscuidade em um país ultraconservador.
A prática é, em geral, uma aliança temporária. Nela, a esposa renuncia a alguns direitos do casamento convencional, como coabitação e apoio financeiro. É autorizada há décadas no reino muçulmano.
Apesar de poder levar a abusos, o misyar atrai algumas mulheres que querem evitar as expectativas patriarcais do casamento tradicional, bem como os casais solteiros que buscam proteção religiosa para sua relação sexual, que é proibida fora do casamento sob as leis do país.
“O misyar oferece conforto, liberdade e uma companhia halal (autorizada pelo Islã)”, diz um funcionário público que mantém um relacionamento do tipo há mais de dois anos com uma viúva.
Pai de três filhos de um casamento convencional, ele diz que visita sua parceira misyar em Riade “quando quer”.
“Meu amigo já teve 11 esposas secretas pelo misyar. Ele se divorcia e se casa com outra, se divorcia e se casa com outra”, acrescentou.
Sauditas, assim como trabalhadores estrangeiros do reino, procuram parceiros em aplicativos de namoro e páginas de casamento.
– Sem dote –
“O misyar é mais barato, não há dote, não há obrigação”, explicou à AFP um farmacêutico egípcio de 40 anos em Riade.
Ele começou a buscar esse tipo de união depois de mandar sua esposa e filho de cinco anos de volta para o Cairo, no início da pandemia do coronavírus, devido ao alto custo de vida na Arábia Saudita.
Ele usou os “khatba”, ou casamenteiros no Instagram, que cobram até 5.000 riais (1.333 dólares) pelo serviço.
“Eu disse a eles minhas preferências: peso, tamanho, cor da pele (…) mas até agora não encontrei ninguém”, admitiu.
Essas uniões costumam ter vida curta, com muitas terminando em divórcio após 14 a 60 dias, relatou o jornal saudita Al-Watan em 2018, citando fontes do Ministério da Justiça.
Para algumas mulheres, é uma forma de evitar ficar solteira, ou recomeçar depois do divórcio, ou da viuvez.
Uma pessoa próxima a uma mulher síria divorciada em Riade disse à AFP que estava em um relacionamento misyar secreto. Ela teme que seu ex-marido, um saudita, busque a custódia de seus dois filhos, se descobrir que ela se casou novamente.
É impossível calcular o número de uniões, muitas das quais são feitas sem documentos.
Os clérigos sauditas dizem que a prática proliferou depois de 1996, quando o então grande mufti, a principal autoridade religiosa do reino, legitimou-a com um édito islâmico.
Mesmo assim, persistem dúvidas sobre a validade de uma prática efêmera e em contradição com os princípios básicos do Islã, que exige uma declaração pública.
Um clérigo em Riade atribuiu sua proliferação a homens que querem evitar as responsabilidades do casamento polígamo. A modalidade é permitida no Islã, se todas as esposas forem tratadas igualmente.
Em um artigo de 2019 na Saudi Gazette, o colunista Tariz Al-Maeena escreveu que o misyar é uma “licença para ter vários parceiros sem aumento de responsabilidade e despesas”.
Algumas mulheres devem ir aos tribunais contra os homens sauditas que se recusam a reconhecer as crianças nascidas de um relacionamento misyar.
“Uma mulher me procurou e disse: ‘sou uma esposa misyar, e meu marido não reconhece meu filho'”, contou o clérigo de Riade à AFP.
“Ele disse que ‘a criança não é problema meu’. Eu a aconselhei a levá-lo ao tribunal e lutar por seus direitos”, acrescentou.
Ainda assim, as mulheres são socialmente incentivadas a fechar os olhos ao misyar de seus maridos.
Fahad Almuais, um casamenteiro que diz que seus clientes geralmente são “polígamos”, citou o caso de um funcionário público saudita que manteve em segredo sua relação misyar de sua primeira esposa.
Quando ele começou a desaparecer todo fim de semana, sua vizinha aconselhou sua esposa a “ficar quieta”.
“Ele recorreu ao misyar para não transformar sua vida em um inferno”, disse Almuais ao portal de notícias Thmanyah, citando a vizinha.
“Seja paciente e deixe-o sair no fim de semana, o resto da semana ele será seu”, acrescentou.