Tenho um motto. E tenho a pretensão de achar que ele é infalível: “Menos com menos só dá mais na matemática; no restante da vida dá menos”. Isso funcionou em tudo até aqui. Desconheço situação na qual um malandro egoísta e trapaceiro que não sabe trabalhar fez algo de bom. Assim como nunca a letargia daquele boçal (família|universidade|grupo de amigos) que sempre se omite na hora decisiva irá, num átimo, se transformar em qualquer coisa de útil. Traduzo esse lema por “as coisas são o que são”. E ele nunca valeu tanto quanto agora, ao olhar o atual cenário macropolítico brasileiro. O que temos? Menos com menos dando menos! Nunca antes nosso parlamento foi fragantemente mercantil. Ostensivamente medíocre. E inconsequentemente tão nocivo.

Caberá a Lula III resolver essa encrenca. Sou dos que enxergam o presidente num momento ruim. Fala bobagem demais na hora mais inadequada (menos com menos). Não coloca em jogo seu Arcabouço Fiscal e quando o coloca sai mudando tudo (menos com menos). Quer virar Nobel da Paz pulando no colo da China e da Rússia (menos com menos). Mantém ministros que não segurariam 24 horas em seus mandatos anteriores em nome de ter votos que não terá (menos com menos). E nada neste projeto fracassado de Nação irá mudar caso Lula não se torne o melhor dos políticos do mercado. Sem que invada figurativamente cada cercadinho do parlamento. Chame pro café cada cardealzinho político em Brasília. Um jogo suado. Custoso. Complexo. Mas para o qual não há nome melhor na praça.

Lula III paga um preço que não deveria ser dele. A herança Bolsonaro. Nosso lúmpen-medíocre ex-presidente foi um destruidor de instituições, de poderes, de civilidade. Um cara que odeia a vida — qualquer forma de vida. E domá-lo significou tombar no colo dos chefes da Câmara e do Senado a governança. Será ali que Lula III deverá atuar. Porque há um novo tipo de Parlamento. Desenhado especialmente nos últimos oito anos por nomes como Eduardo Cunha, Rodrigo Maia e Arthur Lira, respectivamente encarregados de levar adiante o impeachment de Dilma Rousseff e de obstruir pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro. O custo foi elevadíssimo. Uma Câmara poderosa como nunca e uma governabilidade esvaziada como sempre.

Há várias raízes para estarmos aqui, neste estágio tão fundo de poço. Raízes pré-históricas. Uma República proclamada por militares transformados numa crosta corporativista que nunca largou o filé é a principal delas: a velhaca, ultrapassada, onerosa e desnecessária elite milica movida a soldos mais do que batalhas. Outra filha dessas raízes é nosso currículo pós-monárquico. Juntando a grotesca Primeira República mais a Ditadura Vargas, levamos cinco décadas para saber o que era democracia de facto — pelo menos a do voto, já que das demais (sanitária, educacional, de mobilidade, moradia…) nem sequer chegamos perto até hoje. Aí voltamos ao golpismo de 1964 e depois conquistamos as últimas três décadas. Em resumo, nestes 135 anos fomos democráticos comme il faut nuns 55, no máximo.

Esse combo infeliz levou à distorção constitucional do sistema presidencialista lastreado nos três poderes. O que vivemos hoje é esse parlamentarismo travestido, ignorando inclusive a ratificação do desejo da sociedade pelo sistema presidencialista, do plebiscito de 1993. Modelo que explodiu moralmente com a invenção da reeleição. Até seu mentor, Fernando Henrique Cardoso, já reconheceu a imbecilidade que produziu. Afinal, criou-se aqui uma eterna barganha em que o primeiro mandato só existe para tentar deixar de pé o segundo. E a Câmara pegou o bastão. Isso vai travar o governo Lula III.

Nosso messias da vez pode fazer algumas coisas para atacar seu verdadeiro inimigo. Encaminhar o fim das reeleições a partir de 2026 e afirmar publicamente que não tentará permanecer no cargo pode ser esse gesto de estadista. Talvez seja a bomba capaz de mover boa parte das profundezas parlamentares que hoje presidem e amarram o Brasil. Lula escolheria seu lugar na História, faria um governo como pretende e poderia falar, então, o que quisesse para quem quisesse. Vai, presidente! Coloque em campo nosso Arcabouço Moral. Se menos com menos dá menos, inverta a ordem: mais com mais dá mais. Porque quando a gente olha longamente pro abismo, o abismo também olha pra gente, já ensinou Tio Nietzsche.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.