A alteração no projeto de lei da revisão do Plano Diretor apresentada na terça-feira, 23, determina a expansão do Parque Burle Marx com a anexação de áreas verdes do entorno consideradas por especialistas como parte da última mata ciliar do Rio Pinheiros e um raro exemplo de Mata Atlântica preservada na cidade de São Paulo. A mudança atende a uma mobilização popular de cerca de 10 anos após tentativas de incorporadoras para o desmatamento de mais de 5 mil árvores e a construção de condomínios no distrito Vila Andrade, zona sul paulistana.

A inclusão da ampliação do parque foi incluída na nova versão do PL, apresentada pelo relator da revisão, o vereador Rodrigo Goulart (PSD). “Houve grandes manifestações em quase todas as nossas audiências públicas”, justificou ao apresentar a proposta em audiência pública na terça-feira, 23.

O texto ainda passará por alterações ao menos até a próxima quarta-feira, 31, quando será submetido para apreciação em primeira votação na Câmara Municipal. A previsão é que passe por audiências públicas na segunda, 29, e terça-feira, 30, e seja aprovado em segunda e definitiva votação ainda na primeira quinzena de junho.

A expansão do parque é apoiada pela gestão Ricardo Nunes (MDB). Em nota enviada ao Estadão, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente diz considerar “pertinente” a proposta, “devendo primeiramente ser aprofundados os estudos de viabilidade dessa ampliação”.

Se for aprovada, a expansão vai mais do que dobrar a área do Burle Marx, ultrapassando os 330 mil metros quadrados, ao incluir lotes preservados envolta do parque e uma área verde na quadra ao lote, entre a rua Itapaiúna e a Avenida Dona Helena Pereira de Moraes.

Entre os frequentadores, há até aqueles que acham que esses locais já fazem parte do parque, pela densidade da arborização. Abaixo-assinado virtual que reivindica incluir a ampliação do parque na revisão do Plano Diretor angariou 28,3 mil apoiadores até as 15 horas desta quarta-feira.

Ainda não há previsão de como os terrenos se tornariam municipais. No recente acordo do Parque Augusta, as incorporadoras proprietárias dos terrenos ganharam créditos para construir “gratuitamente” (sem pagar a chamada outorga onerosa) em outro local da cidade. As proprietárias foram procuradas pela reportagem, mas retornaram.

Ao Estadão, a Fundação Aron Birmann, gestora do Burle Marx há 28 anos, se manifestou favorável à expansão, pela “importância deste local para a cidade de São Paulo, para fauna e flora da região”. Porém, destacou que não apoia a ampliação mediante pagamento elevado – estima-se que eventual compra dos terrenos sairia entre R$ 300 mil e R$ 500 mil, mas não há detalhamento sobre as bases para esse cálculo.

“O que temos é um custo muito alto para ampliar um parque que atende a uma das áreas nobres de São Paulo, sem falar em tantas regiões mais pobres, desprovidas de parques e praças, sem nenhum verde”, pontuou.

“O que parece é que, enquanto se dissemina essa versão da ‘defesa do parque e de sua ampliação’, falta virem a público informações mais completas sobre como o poder público chegou a essa proposição. Em qualquer circunstância, é preciso ponderar e examinar criticamente o contexto e motivações por trás de intenções aparentemente boas, mas que nem sempre o são quando analisamos suas raízes mais a fundo”, finalizou.

Fundador do movimento SOS Panamby, que liderou o movimento pela preservação da área, o advogado Roberto Delmanto Junior celebrou a inclusão da expansão no quadro de novos parques do PL do Plano Diretor. Ele destacou que o grupo esteve presente em grande parte das audiências públicas da revisão da lei. “Foi um grande avanço. Uma vez aprovado, vamos acompanhar a implementação desse parque.”

Ele descreve o local como um “paraíso” em meio à cidade. “É como caminhar em uma floresta”, avalia. A sugestão dos integrantes do movimento é de que as áreas funcionem como um parque natural, com trilhas para os frequentadores e escolas tenham maior conexão com a natureza nativa de São Paulo.

O botânico e paisagista Ricardo Cardim é um dos apoiadores da expansão e já chegou a fazer parecer sobre a diversidade da flora local. “É o último remanescente das matas ciliares do Rio Pinheiros, o que não é pouco”, descreve.

“É um repositório de plantas nativas, bichos nativos, paulistanos. Representa a genética original do território paulistano”, acrescenta. Ele explica que esse bioma é melhor preservado quando em maior proporção.

“A Mata Atlântica não vive em fragmentos pequenos. Precisa de grandes áreas para sobreviver no médio e longo prazo. Quanto maior a floresta, mais chance de se perpetuar por gerações. Ali tem um dos últimos trechos das antigas várzeas do Rio Pinheiros, de altíssima biodiversidade e que foi quase extinto no município.”

Na última década, o Estadão tem acompanhado a mobilização pela preservação da área, que envolveu decisões liminares que conseguiram barrar empreendimentos na Justiça Federal. No vídeo abaixo, por exemplo, o advogado Roberto Delmanto Junior mostrou como estava o local em 2014, em meio ao risco de desmatamento para a construção de um condomínio de alto padrão.

Ao longo de quase uma década, especialistas em fauna e flora elaboraram pareceres sobre a biodiversidade do local. Em 2015, por exemplo, peritos do MPF e biólogos identificaram 65 espécies de aves em apenas oito dias, como o gavião-pomba, o pica-pau verde e a araponga. Também foram encontradas diferentes Arvores da Mata Atlântica, como pau-jacaré e aroeira, e plantas raras, como a pimenta-de-macaco. Talvez a maior descoberta em relação à fauna foi a identificação há quase 10 anos de uma espécie então inédita de caramujo, o Adelopoma Paulistanum.

A inclusão da área verde no quadro de novos parques previstos na lei não significa que a implementação ocorrerá imediatamente após a aprovação. A maioria dos locais listados da atual versão do Plano Diretor, de 2014, não foram entregues.

“É importante ressaltar que o Plano Diretor Estratégico (PDE) propõe a implantação de novos parques, mas cada área verde precisa da realização de obras, manutenção, roçagem, manejo arbóreo e vigilância”, justificou a Prefeitura. Hoje, São Paulo tem 111 parques e ao menos cinco estão previstos para inauguração até o fim da gestão Nunes, em 2024.

Em nota, o Fundo Panamby respondeu ao Estadão que tem discutido com a Prefeitura uma “alternativa de acordo com a inclusão das áreas adjacentes ao Parque Burle Marx na atualização do Quadro 7 na revisão do Plano Diretor”. Também destacou achar importante a inclusão do tema na proposta de revisão. “A inclusão formal desses terrenos no plano de implantação de parques da cidade permitirá a utilização de um dos instrumentos urbanísticos criados no último Plano Diretor que é a Transferência do Direito de Construir (TDC), que permite a doação do terreno e como contrapartida a transferência do potencial construtivo para outro terreno na cidade de São Paulo.”

Na nota, argumentou que a expansão do parque “permitirá a concretização do desejo da comunidade de ampliação da área verde e a garantia da devida compensação legal aos atuais proprietários das áreas em questão”. “Uma vez promulgada a lei incluindo o Parque Burle Marx no Quadro 7 do Plano Diretor, caberá ao fundo protocolar o pedido de Manifestação de Interesse em Doação de Imóvel, para que se inicie o trâmite perante a Prefeitura.”

“É importante lembrar que a prefeitura pode aceitar ou não a doação, e conforme o novo texto poderá exigir eventuais contrapartidas dos proprietários”, completou.