A ocupação urbana a três metros de distância vertical de um rio (fundos de vales) cresceu quatro vezes entre 1985 e 2022, de acordo com levantamento do MapBiomas, rede colaborativa, formada por ONGs, universidades e startups de tecnologia. Essa é a primeira vez que o dado aparece em um relatório do grupo, que se preocupa com a maior incidência de desastres naturais, que cresceu cinco vezes desde 1991. O estudo se baseia em imagens de satélites.

As beiras de rio não necessariamente são consideradas áreas de risco, mas sim de alta vulnerabilidade para inundação. Para serem classificadas como de risco, é preciso também que hajam ocorrências de desastre por ali. A intenção dos cientistas ao darem visibilidade ao aumento da ocupação desses espaços é acender um alerta amarelo para que os municípios se atentem para essas construções frente a uma maior incidência de desastres naturais.

Ao todo, são 425 mil hectares de áreas urbanas construídas na beira de rios. Cada hectare tem 10 mil metros quadrados, mais ou menos a dimensão de um campo de futebol. Dois terços (68%) dessa ocupação ocorreram nos últimos 38 anos. É como se a cada 100 hectares de urbanização, 11,5 deles fossem perto de rios. Considerando só favelas, a expansão foi de 17,3 hectares para cada 100 urbanizados.

O mapeamento também mostra que áreas urbanas em terrenos com declividade superior a 30% cresceu mais de cinco vezes no período analisado. Desde 2011, a ocupação desses espaços aumentou 17,7%. Conforme a lei de Parcelamento do Solo (6.766/79), o uso desses espaços está restrito ao cumprimento de exigências das autoridades competentes. Na avaliação dos pesquisadores, boa parte das construções, porém, são ilegais.

A ocupação por ali não é uma opção. “Os terrenos planos vão ficando cada vez mais escassos, e o que sobra são as beiras de rio e áreas de alta declividade”, afirma Julio Cesar Pedrassoli, coordenador da equipe de áreas urbanas do MapBiomas e um dos coordenadores do novo levantamento.

“O perigo (da dimensão da ocupação dessas áreas) é porque representam perdas humanas”, diz. “Essas áreas são problemáticas porque naturalmente as coisas acontecem ali. Nas áreas de alta declividade, o terreno desce, com alguém morando em cima ou não. Nas áreas próximas aos rios, o leito natural de alagamento em vários momentos avança nesses locais.”

O problema, porém, é que os cientistas do MapBiomas perceberam que esses eventos têm se tornado mais frequentes – diminuiu a chamada frequência de retorno. Para determinar a incidência, eles cruzaram dados de avanço de urbanização com o registro de desastres naturais no Brasil, feito pelo Ministério do Desenvolvimento Regional em parceira com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), desde 1991.

A incidência de desastres naturais em áreas urbanizadas aumentou cinco vezes desde então. Em 1985, a proporção era de um desastre para 4 hectares de área urbanizada. Em 2022, ela passou para um desastre por um hectare.

“Todos os desastres que a gente teve no Brasil recentemente, Petrópolis, São Sebastião e no Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, são ocupações ocupando exatamente essas faixas (de alta declividade e de beira de rios)”, fala Pedrassoli.

A ocupação de área reconhecida como de risco, que são suscetíveis a desastres climáticos, atingiu 123 mil hectares. Ela representa 3% da malha urbana brasileira. O crescimento da área urbana em área de risco se concentra nas favelas, 18% delas estão em área de risco.

Enquanto a urbanização geral em áreas de risco aumentou 2,8 vezes no período avaliado, nas favelas esse aumento foi de 3,4 vezes. A cada 100 hectares de favela que cresceu no País, 16,5 foram em áreas de risco.

Como solucionar esse problema?

Frente a esse problema, Pedrassoli destaca que, em um primeiro momento, os municípios precisam avaliar localmente o que pode ser feito. “Tem casos em que você tem que tirar essas pessoas do lugar, porque que vai desabar, mas tem casos em que obras de engenharia conseguem manter as pessoas no lugar”, diz.

“Mas, daqui pra frente, (o ideal) era não deixar mais ocupar essas áreas, é prover moradia digna em área segura pras famílias.”

Áreas urbanizadas representam 0,4% do território brasileiro, e ocupam 3,7 milhões de hectares em 2022. Em 1985, eram 1,2 milhão de hectares. E as favelas crescem desproporcionalmente. Enquanto a urbanização no Brasil aumentou 3,1 vezes entre 1985 e 2022, o aumento foi de 3,9 vezes nas favelas. Cerca de 5% de toda expansão urbana no Brasil foi nas comunidades.

Mais ou menos desde o início dos anos 2000, a urbanização brasileira tem ritmo decrescente, de acordo com Pedrassoli. A tendência é puxada pelas metrópoles, onde basicamente já não há mais espaço para o crescimento linear e o que ocorre é um processo de adensamento populacional, com a verticalização, por exemplo.

As cidades que mais cresceram no período analisado foram as pequenas, com menos de 100 mil habitantes, a uma taxa de 3,6% ao ano. Enquanto isso, o crescimento das metrópoles seguiu uma taxa de 2,5% anual.