Atual ministro da Economia, peronista Sergio Massa surpreende ao largar na frente do populista ultraliberal Javier Milei. Os dois candidatos, que representam projetos antagônicos, vão voltar a se enfrentar em novembro.A eleição presidencial argentina será decidida em um segundo turno entre o centrista governista Sergio Massa e o populista ultraliberal Javier Milei, após nenhum candidato atingir a porcentagem necessária para conquistar a vitória no pleito deste domingo (22/10).

+Eleição na Argentina tem participação mais baixa em 40 anos

Com 93% das urnas apuradas, Massa surpreendeu ao se sair melhor do que as pesquisas indicavam, conquistando 36,4% dos votos. Milei, por sua vez, obteve 30,1% dos votos. Ambos deixaram para trás a conservadora Patricia Bullrich, que ficou com 23,8%.

Juan Schiaretti, um peronista adversário do kirchnerismo, ficou com 7%. Myram Bregman, candidata de esquerda, obteve 2,66%.

Os resultados representaram um alento para a campanha de Massa, atual ministro da Economia da Argentina, que carrega o fardo de ser membro do impopular governo do presidente Alberto Fernández, que neste pleito desistiu de concorrer à reeleição.

Nos últimos dias, pesquisas já indicavam que Massa vinha reagindo entre o eleitorado. Seu desempenho acima do esperado foi puxado principalmente pelo eleitorado da Província de Buenos Aires. Ainda assim, essa foi a pior votação presidencial do peronismo em quatro décadas.

Já o segundo lugar de Milei contrariou a maioria das pesquisas, que indicavam o ultradireitista em primeiro lugar. No entanto, o resultado não deixa de ser um passo importante para Milei, um novato na política, que apenas dois após ser eleito deputado conseguiu chegar a um segundo turno presidencial, se tornando o principal beneficiário do voto de protesto contra o governo e desbancando conservadores tradicionais do país, ligados ao ex-presidente Mauricio Macri, que neste pleito foram representados por Bullrich, que amargou um terceiro lugar após liderar uma campanha essencialmente focada no combate ao crime.

Além do pleito presidencial, os argentinos elegeram neste domingo metade dos membros da Câmara dos Deputados, um terço do Senado e uma série de governadores provinciais.

O segundo turno presidencial está marcado para 19 de novembro. Agora, dois modelos completamente para o futuro do país estarão em disputa.

O primeiro, proposto por Massa, representa uma certa continuidade, tanto política quanto em alguns aspectos da economia, embora o candidato seja identificado mais com o centro do peronismo, e não com a esquerda do kirchnerismo. Massa também defende a manutenção da ampla rede de subsídios sociais em prática no país, onde 40% da população é afetada pela pobreza.

O segundo modelo, defendido por Milei, engloba uma ruptura drástica na castigada economia argentina, promovendo uma dolarização total, a extinção do Banco Central e um corte severo nos gastos estatais, incluindo a rede de subsídios, cujos altos custos são apontados como uma das causas da inflação galopante no país.

No segundo turno, os eleitores de Bullrich devem ser decisivos para a escolha do novo presidente. Em discurso neste domingo, a conservadora reconheceu a derrota e rechaçou apoiar Massa. “Jamais seremos cúmplices do comunismo na Argentina, nem das máfias que destruíram este país”, disse Bullrich, no que pareceu uma sinalização de que ela pode deixar a porta aberta para eventualmente apoiar o ultraliberal Milei.

Ao lado de líderes de seu partido, como o ex-presidente Macri Massa, Bullrich ainda acusou Massa de ter feito parte do “pior governo” que o país já teve.

O pleito ocorreu em meio ao aniversário de 40 anos da volta da democracia na Argentina, após um sangrento período de ditadura militar. No entanto, a insatisfação com as instituições e classe política do país é grande, especialmente por causa da profunda crise. A insatisfação também parece ter se refletido no comparecimento de cerca de 74%, o mais baixo desde 1983.

Além de Férnandez, outra notável ausência nas cédulas neste domingo foi a da atual vice-presidente Cristina Kirchner, que vem se manteve discreta na campanha, após sofrer uma condenação por corrupção no ano passado. Neste domingo, ao votar, Cristina também tentou se desassociar de Fernández, afirmando que não participa das decisões do atual governo.

“Eu só presido o Senado em um país presidencialista, e a responsabilidade é do presidente da Nação. Eu falei e não fui escutada”, disse. Na Argentina, o vice-presidente é também preside o Senado.

Comparecimento mais baixo desde a redemocratização

O pleito ocorreu em meio ao aniversário de 40 anos da volta da democracia na Argentina, após um sangrento período de ditadura militar. No entanto, a eleição deste domingo também marcou o mais baixo comparecimento de eleitores desde 1983.

Segundo a Justiça Eleitoral, votaram cerca de 74% dos eleitores convocados, índice mais baixo que os 80% de comparecimento no último pleito, em 2019. A porcentagem deste domingo superou ainda o recorde negativo da eleição de 2007, quando 76,2% votaram.

O comparecimento deste domingo, porém, foi mais alto do que o registrado nas primárias presidenciais de agosto, quando cerca de 70% dos eleitores votaram.

A interminável crise argentina

Em crise perpétua há décadas, a Argentina chegou ao pleito deste domingo em um cenário econômico ainda mais degradado, que levou o atual presidente Alberto Fernández a desistir de concorrer à reeleição.

O dólar disparou nas últimas semanas, reforçando a agonia do peso argentino. Já a inflação anual na Argentina subiu para 138% em setembro. Hoje, na América do Sul, a inflação argentina só é superada pela da Venezuela, que vive uma crise humanitária.

Os argentinos também estão lutando para sobreviver, com cerca de 40% da população vivendo na pobreza. Os preços subiram 12,7% somente em setembro, de acordo com o instituto de estatísticas do país.

“É uma economia que está em tratamento intensivo”, disse Miguel Kiguel, ex-subsecretário de Finanças do Ministério da Economia na década de 1990, à agência Reuters.

A previsão é que o PIB também sofra uma retração de 2,8% em 2023, de acordo com o Banco Central do país.

Analistas apontam que o próximo presidente, que tomará posse em dezembro, terá dificuldades para encontrar uma solução rápida para os atuais problemas, que tem raízes em décadas de má administração governamental. Nas últimas oito décadas, o país experimentou apenas quinze anos de inflação abaixo de dois dígitos. Problemas como inflação, custos de produção, falta de investimento, déficit público, precarização do emprego e endividamento externo se tornaram crônicos.

A má gestão da economia não foi exclusividade de uma corrente ou grupo político. Populistas e conservadores, militares e civis, social-democratas e liberais, esquerda e direita, estatistas e privatistas, peronistas e independentes que se alternaram no poder nas últimas décadas: todos agravaram ou não souberam interromper o declínio do país a longo prazo. Muitos ainda se viram envolvidos em escândalos de corrupção

Os candidatos que vão se enfrentar no segundo turno

Sergio Massa: camaleão peronista.

Atual ministro da Economia do governo Fernández, Sergio Massa é o principal candidato do peronismo neste pleito, sendo uma figura mais de centro do movimento.

Nas últimas semanas, Massa, apesar de ter sua imagem associada ao impopular Fernández, reagiu nas urnas. No entanto, ainda pesa contra sua campanha a atual má situação econômica.

O ministro tem argumentado que o momento é de transição, e que medidas recentemente adotadas por ele ainda vão render frutos. “O pior passou, o melhor está por vir”, disse nesta semana.

Javier Milei: o “anarcocapitalista” antissistema

Segundo candidato mais votado, Javier Milei, do partido personalista A Liberdade Avança, fundado por ele mesmo, é um economista com pouca experiência política, que faz uso de um discurso antissistema e é adepto de teorias conspiratórias.

Prometendo uma dolarização total da economia e a extinção do Banco Central, ele é rotineiramente comparado ao americano Donald Trump e ao brasileiro Jair Bolsonaro por causa da retórica agressiva, amplo uso de redes sociais, defesa de armas de fogo e por negar mudanças climáticas.

Repercussão no Brasil

A Argentina é o maior parceiro econômico do Brasil na América do Sul e é um dos principais destinos de exportações de produtos industrializados brasileiros. Os dois países também são os principais membros do Mercosul, bloco comercial sul-americano.

Durante a campanha do primeiro turno, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva evitou comentar explicitamente as eleições no país vizinho, em contraste com seu antecessor, Jair Bolsonaro, que foi explícito em seu apoio ao liberal Macri em 2019 e sua oposição a Fernández, o que gerou mal-estar diplomático.

Durante a campanha, em agosto, Lula se limitou a receber em Brasília o ministro Massa oficialmente para uma reunião, na qual foram tratados temas econômicos, mas que também foi encarada por alguns observadores como um aceno discreto de preferência pelo candidato.

Já o ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad, foi mais direto sobre o que o governo brasileiro não deseja. Sem endossar diretamente alguma candidatura, Haddad afirmou nesta semana que o Brasil estava “preocupado” com uma possível vitória de Milei, que em sua campanha propôs retirar a Argentina do Mercosul.

“É natural que eu esteja [preocupado]. Uma pessoa que tem como uma bandeira romper com o Brasil, uma relação construída ao longo de séculos, preocupa. É natural isso. Preocuparia qualquer um… Porque em geral nas relações internacionais você não ideologiza a relação”, disse Haddad.

Já os bolsonaristas são explícitos no apoio ao populista Milei. Jair Bolsonaro chegou a enviar nesta semana uma mensagem em vídeo de apoio ao argentino, que reproduziu o conteúdo em suas redes sociais. “Não podemos continuar com a esquerda. É um apelo que eu faço a todos os argentinos: vamos mudar, e mudar para valer, com Milei. Compromisso meu, hein?! Vou para a tua posse”, disse Bolsonaro na mensagem.

O deputado brasileiro Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, também já realizou várias lives com o argentino. “Não só adoramos deixar os esquerdistas loucos, mas também nos une a liberdade”, afirmou sobre esses encontros.

Eduardo viajou para a Argentina, sob o pretexto de acompanhar o pleito presidencial em missão oficial, mas suas falas deixam claro que o objetivo é prestar apoio a Milei. Eduardo acompanhou o voto do deputado portenho Nahuel Sotelo, aliado de Milei.