02/10/2002 - 7:00
DINHEIRO ? Por que o dólar voltou a subir tanto?
IBRAHIM ERIS ? Há várias razões. Sem dúvida, o fator mais importante é a questão eleitoral. São as incertezas trazidas pela perspectiva de mudança de administração do País. Muita gente tem dito que é o fator Lula, mas não é bem assim. Com os outros candidatos, mesmo o José Serra, uma mudança aconteceria em maior ou menor grau. Isso é apenas um aspecto. É importante lembrar que o fator eleição não teria o mesmo impacto se nós tivéssemos uma economia com bases mais sólidas e se a economia mundial estivesse passando uma fase melhor.
DINHEIRO ? Quais são as fragilidades da economia?
ERIS ? A excessiva dependência de capital externo, a estagnação que já dura um longo período e uma relação entre a dívida e o PIB, que é crescente. Como o mundo está passando por uma fase de baixo crescimento, com maiores dificuldades de liquidez e aversão ao risco, tudo pressiona o dólar.
DINHEIRO ? Quais serão os próximos focos de tensão?
ERIS ? A transição brasileira para a nova administração não se encerra com as eleições. Depois delas, teremos uma fase de definição de equipe, quando as tensões deverão ficar em alta. Os primeiros meses do próximo governo também serão de nervosismo. O mercado vai esperar para ver os rumos que a equipe econômica vai tomar. E isso não se define num dia. Qualquer que seja o futuro presidente, haverá um período de adaptação dos mercados. Agora, 2003 não será um bom ano para nenhuma economia.
DINHEIRO ? Por quê?
ERIS ? Os Estados Unidos estão em dificuldades. A Europa e o Japão continuam sem crescimento. O volume de crédito para os países emergentes deve cair de novo. Portanto, será um ano complicado e difícil de administrar.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia os candidatos à sucessão presidencial?
ERIS ? O Brasil está bem servido e o mercado é que está sendo essencialmente conservador e medroso nas suas avaliações. Um ano atrás, eu disse que 2002 seria caracterizado pelo medo e isso se confirmou. Todos os candidatos se comprometeram com princípios que são suficientes para dar consistência macroeconômica no futuro. Lula, por exemplo, assumiu isso de forma solene. Serra várias vezes disse isso, além de ser o candidato do próprio governo. Ciro Gomes e Anthony Garotinho, idem. Dado isso, a reação é excessiva.
DINHEIRO ? Os lucros fabulosos do setor financeiro nos últimos anos explicam parte desse medo da mudança?
ERIS ? Isso explicaria a oposição a certos candidatos. Mas não explica a postura defensiva em relação ao processo eleitoral. Quando converso com empresários de diferentes setores da economia, eu não sinto esse grau de incerteza em relação ao futuro.
DINHEIRO ? O Brasil precisa reestruturar sua dívida interna?
ERIS ? De jeito nenhum. A dívida interna não precisa de nada além dos superávits primários que vêm sendo gerados nos últimos anos. Essa é a solução e não é preciso fazer mais nada. Coisas como alongar a dívida são uma enorme bobagem. O lado externo, por outro lado, exigirá uma transformação maior. Vamos ter que gerar enormes superávits comerciais para podermos diminuir e até zerar nosso déficit em conta corrente. Isso é urgente.
DINHEIRO ? Um real fraco resolve o problema?
ERIS ? Eu espero que em 2003 o dólar continue pressionado e o real bem desvalorizado. Valores como R$ 3,60 podem até parecer altos, mas certamente o dólar não deverá voltar ao patamar dos R$ 3,00. E nem é desejável que isso aconteça. Para compatibilizar superávits comerciais e crescimento, o único jeito que eu conheço é manter a nossa moeda desvalorizada. Essa será a nova etapa do ajuste da economia brasileira. Com isso, nós vamos conseguir financiar nossa balança de pagamentos e a rolagem da dívida externa deixará de ser um problema. Todo banqueiro gosta de dar dinheiro para quem não precisa de dinheiro. Então, primeiro, o Brasil precisa provar que não precisa de dinheiro. Depois, virão os frutos.
DINHEIRO ? Isso reduziria os juros?
ERIS ? É o único caminho. Até entendo quem fica preocupado com a diminuição dos juros, temendo a volta da inflação. Acho que isso não vai acontecer. Mas é uma incerteza que vem junto com uma mudança desejável. Sempre tem o lado bom e o ruim.
?Collor demorou muito a procurar
o FMI e o mercado. Isso pegou muito mal?
DINHEIRO ? Nesse cenário difícil para 2003, o que o próximo presidente deve priorizar?
ERIS ? A primeira coisa que ele deve fazer é normalizar as relações com o mercado financeiro internacional. Essa deve ser a preocupação do próximo presidente na primeira semana de seu mandato. Esse esforço passa por três caminhos. Primeiro, provar para o mercado que a política fiscal apertada vai continuar. Melhor, que essa política vai ser aprofundada. Não adianta lutar contra isso. Segundo, ele vai ter de mostrar ao Fundo que o Brasil está caminhando na direção de reduzir suas necessidades de dependência de capital externo. E o terceiro elemento é o próximo governo entrar em contato com os organismos multilaterais, os bancos centrais e as instituições financeiras estrangeiras para mostrar a cara dele. Um contato imediato com o FMI ajudaria muito a acalmar os mercados. Eu me lembro muito bem disso, quando estava no início do governo Fernando Collor. Nós demoramos muito e pegou muito mal.
DINHEIRO ? Então o novo governo terá que reproduzir muito do que já tem sido feito?
ERIS ? Não vamos achar que toda vez que mudar o presidente haverá mudanças institucionais. Não é assim. Metas inflacionárias, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal são coisas que estão aí para ficar. Se o Lula vencer a eleição, por exemplo, em nenhum momento ele disse que não vai gerar os superávits estabelecidos. Agora, ele disse que, se os juros caírem, o esforço fiscal terá de ser menor. Amém, concordo com ele. Lula também disse que esse governo é ruim em baixar os juros. Também concordo plenamente. No caso do câmbio, Lula não disse que vai abandonar o câmbio flutuante. Eu, particularmente, acho que o novo governo terá que manter o real mais desvalorizado e, para isso, terá que interferir nos mercados. Em relação ao FMI, o Lula deixou claro que haverá uma relação civilizada de negociação. Apesar de tudo, dá para fazer mudanças.
DINHEIRO ? Lula não quer Armínio Fraga no BC. Isso é ruim?
ERIS ? O interlocutor do Brasil com o FMI será aquele que o presidente escolher e Lula sabe melhor que ninguém se Armínio é bom para ele ou não. Não vejo problema nenhum nisso. Armínio Fraga foi um bom presidente do BC. Mas não está acima de críticas. Ele cometeu erros, como qualquer outro. Qual a vantagem de manter Armínio? Os mercados teriam menores incertezas. Ok, mas as pessoas votam porque querem mudanças. Se o povo eleger o Lula, é porque quer que ele indique pessoas adequadas às suas promessas.
DINHEIRO ? O acordo com o FMI foi bom para o Brasil?
ERIS ? Os US$ 24 bilhões à disposição do próximo governo
são só para inglês e americano ver. Esse dinheiro não entra nas reservas líquidas. No câmbio, só o que tiver nas reservas pode ser usado. Hoje, o BC está gastando em um ritmo razoavelmente forte. Meu medo é que o próximo governo receba um nível de reservas muito baixo. Eles também vão precisar nos primeiros meses de governo desse dinheiro. A situação não vai mudar de um dia para o outro. Mesmo se Serra fosse eleito, o Brasil precisaria de alguns meses de transição.
DINHEIRO ? Quais foram os erros de Armínio?
ERIS ? Foi vendido por muito tempo um discurso, em que o próprio governo acreditou, de fundamentos sólidos. Eles confundiram fundamentos sólidos de política econômica com a própria economia brasileira. Um dos erros do Armínio foi ter sido essencialmente otimista sobre as perspectivas da economia brasileira. Por isso, ele não tomou certos cuidados. Por exemplo, em 2000, quando passávamos por uma fase muito boa, eu teria acumulado reservas. Mas eles deixaram o real valorizar-se. Em 2001, aconteceu a mesma coisa. Depois de uma forte alta do dólar, deixaram a moeda americana voltar para R$ 2,30. Se tivessem deixado o real desvalorizado naquela época, hoje as reservas líquidas estariam mais altas. Armínio também errou ao não usar certas janelas para baixar os juros. Desperdiçamos boas oportunidades. Acho também que o governo fixou metas muito baixas de inflação. Eles cometeram erros básicos. O Banco Central tem a obrigação de trabalhar com cenários possíveis tendendo a ser pessimista. Otimismo não cabe ao BC.
DINHEIRO ? Então, o BC não levou em conta que as eleições poderiam ser complicadas…
ERIS ? O BC não se preparou para as incertezas de uma eleição. Armínio deveria saber que seria uma eleição difícil. Nós sabíamos
que não era a figura de Fernando Henrique que estaria no
palanque. Seria um sujeito como José Serra, que é um candidato sem carisma. O Lula estaria mais experiente e soft, logo mais agradável para a opinião pública. Teríamos um candidato como
Ciro Gomes, que é combativo. Sabíamos que ia ser difícil. É curioso que o BC tenha sido otimista em algumas áreas e cauteloso em outras. No caso dos juros, ele foi muito cauteloso. Houve quase
um fetiche pela inflação baixa. Por outro lado, ele foi excessivamente confiante na área de contas externas. Eles acharam realmente
que o mundo nos financiaria. E que o apoio do FMI bastaria.
Confiou-se demais na capacidade do Brasil de servir-se do
mercado financeiro internacional.
DINHEIRO ? Vários analistas estrangeiros dizem que o Brasil está no rumo da Argentina e deverá declarar moratória cedo ou tarde. O sr. concorda com isso?
ERIS ? Esse é um argumento que está errado de cabo a rabo. A Argentina não fez nada certo. O Brasil, no entanto, adotou políticas muito melhores. A economia brasileira está passando por um momento difícil, mas nós temos um caminho a trilhar. No caso da Argentina, eles não têm um caminho, eles terão que construir um. É essa a grande diferença.