02/06/2020 - 19:14
O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga disse nesta terça-feira, 2, que, em razão do prolongamento da crise do coronavírus por um período maior do que se imaginava quando o vírus estava circunscrito à China, o déficit primário das contas públicas brasileiras deve chegar a 12% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.
“Estritamente do ponto de vista fiscal, estamos trabalhando com uma margem de manobra muito apertada. Tenho comentado que a consequência disso vai ser um crescimento imenso das necessidades de financiamento do governo”, comentou Fraga ao participar de uma live promovida pelo BTG Pactual.
+ Déficit nominal do setor público soma R$ 115,820 bi em abril, diz BC
+ Contas públicas devem fechar este ano com déficit de R$ 708,7 bilhões
“Já vimos esse filme antes, mas agora estamos vendo a cores e no telão, e maior. Em 2002, nós estávamos juntos, foi duro”, acrescentou Fraga, lembrando-se da crise financeira enfrentada em seu último ano à frente do BC. “Os números mostram déficit primário de dois dígitos neste ano. Uma estimativa, por baixo, sugere 10%, com a queda de receita bastante relevante. Acho provável um déficit maior, vamos dizer de 12% do PIB. Não é pouco.”
Ele apontou o encurtamento de prazos nas emissões de títulos públicos como uma saída para baratear o custo da dívida, apesar do custo de risco, dado o aumento do tamanho das rolagens da dívida.
O encurtamento nos prazos dos títulos, disse Fraga, não é a solução definitiva, mas dá ao Brasil tempo para retomar a agenda de reformas fiscais.
“É bom ganhar tempo com o encurtamento, mas ganhar tempo para quê? Se for para tomar providências, continuar com a agenda de reformas, fortalecer as bases fiscais do Estado brasileiro, ótimo. Se for só para ganhar tempo, aí, em geral, o problema só cresce e piora lá na frente.”
Durante o evento do BTG, Armínio Fraga disse não ver a necessidade de o Brasil adotar uma estratégia de injeção monetária nos moldes do quantitative easing (afrouxamento quantitativo) americano. Isso porque a taxa Selic, embora tenha caído muito, não está em zero como nos Estados Unidos.
“Vejo isso mais como uma ferramenta para reais emergências em momentos de o mercado perder liquidez”, afirmou o ex-presidente do BC, que também observou que o Banco Central tem ferramentas para complementar o trabalho do Tesouro Nacional.
Em sua participação na mesma live, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan destacou que o BC, em suas últimas comunicações, indicou mais um corte da taxa básica de juros, de até 0,75 ponto porcentual.
Ele avaliou que a autoridade monetária tem agido com cautela ao não se comprometer com os seus próximos passos. “Se você ler nas entrelinhas das atas do Copom, sempre tem ali a preocupação com ritmo de encaminhamento das reformas. Acho que a cautela é razoável”, comentou Malan.