A Blockbuster está invadindo o Norte e o Nordeste do País. O projeto inicial prevê a abertura de mais de 20 videolocadoras por ano. Os franceses do Leroy Merlin, que atuam no varejo da construção civil, inauguraram mais uma loja em São Paulo. Mais uma, não. A loja é a maior da América Latina. Estão previstas outras duas novas megaunidades até o final deste ano. A compatriota 5 à Sec, do setor de lavanderias, se prepara para duplicar de tamanho, somando 300 pontos de serviço até 2004. E os cinéfilos poderão contar com pelo menos quatro novos complexos de cinema por ano com a assinatura dos americanos da Cinemark. Em comum, além de serem estrangeiras, as redes citadas acima são famosas pela voracidade com que se lançam no mercado. Não há nada de modesto quando se fala em investimentos ou projeções de crescimento dessas empresas. São sempre centenas de pontos-de-venda a serem inaugurados, dezenas de lançamentos, milhares de consumidores, milhões nos cofres. Tamanho apetite rendeu a elas o codinome de category killers (algo como assassinos de categoria). A referência é direta ao poder dessas redes de se transformarem em sinônimo do setor em que atuam. E de assinarem o atestado de óbito de concorrentes próximos ao seu raio de atuação.

A novidade agora é que os impactos sociais e econômicos causados pelos titãs do varejo começam a preocupar, de fato, governos e associações. No início do ano, a Federação do Comércio de São Paulo iniciou estudos junto à Prefeitura paulistana com o objetivo de impor limites à atuação de megaempreendimentos. O que a entidade pede são contrapartidas nos investimentos, como a manutenção de empregos e comprometimento da inclusão de fornecedores locais no cadastro. ?As grandes redes são danosas para a cadeia produtiva porque submetem os fabricantes a uma relação desigual devido ao seu enorme poder de barganha?, diz Manuel Ramos, vice-presidente da Fecomércio. Segundo ele, a cada emprego gerado por um hipermercado ? por exemplo ?, 1,5 emprego desaparece. Os cálculos constam de estudos feitos nos EUA e Canadá focalizando principalmente a atuação da Wal-Mart.

Por aqui, a primeira cidade a adotar contrapartidas foi Porto Alegre. A Prefeitura local dispõe de lei que restringe a atuação das empresas ?arrasa quarteirão?. O Cinemark, por exemplo, estava no meio do processo de instalação em um shopping na capital gaúcha e teve de recuar. A Prefeitura exigiu que a área de lazer fosse preenchida por comerciantes locais para minimizar impactos sócio-econômicos na região. Carlos Eduardo Vieira, secretário do Planejamento de Porto Alegre, afirma que tais medidas não têm como objetivo afastar estrangeiros. ?Queremos só criar um ambiente favorável a todos?, diz.

Nelcindo Nascimento, empresário que administra a franquia 5 à Sec no Brasil, sustenta que sempre haverá espaço para quem tem capital e tecnologia. ?Em nosso segmento o mercado consumidor é inferior a 3% da população, o que revela que há um potencial de crescimento enorme?, afirma. É claro que a abertura de mercado produz fenômenos como esse e, em alguns casos, a chegada de multinacionais serve como uma luva para justificar a falta de competência de concorrentes locais. Mas não há como negar a enorme diferença entre a estrutura financeira das redes internacionais e o poder de fogo dos representantes locais. Até 1995, o mercado de lavanderias era dominado por negócios de pequeno porte. A chegada da 5 à Sec mudou o cenário. ?Por falta de tecnologia ou recursos, muitos abandonaram o ramo?, explica Rui Torres, presidente da Associação Brasileira de Lavagem a Seco. Hoje, com suas 157 lojas, a 5 à Sec responde por metade do faturamento do setor: suas vendas foram de R$ 75 milhões em 2001.

O segmento de videolocadoras é outro que sofreu uma reviravolta, com a chegada da Blockbuster em 1995. Foi um choque para empresas já estabelecidas como a Hobby Vídeo, então líder de mercado em São Paulo. O conceito de megalojas da Blockbuster com serviços inovadores como a devolução expressa de fitas e a venda de guloseimas e refrigerantes mexeu com o mercado. Os irmãos Rubens e Victor Pereira, fundadores da Hobby, bem que tentaram reagir, mas acabaram saindo de cena. Procurado pela DINHEIRO, o presidente da Blockbuster, Arthur Negri, não quis comentar a atuação da empresa, que volta seus olhos, agora, para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A meta é ampliar a rede das atuais 85 lojas para 175 até 2006. Quem resistiu ao avanço, o fez abusando da criatividade. Fred Botelho, sócio da locadora 2001, de São Paulo, criou algo além do aluguel de fitas para sobreviver: passou a vender CD’s e livros sobre cinema em suas lojas. No ramo do varejo de construção, liderado pelos franceses Leroy Merlin e Castorama, a saída dos nacionais foi unir forças. Madeirense, Conibra e Uemura juntaram-se sob a bandeira C&C para tentar ganhar músculos. ?Ainda assim, em São Paulo, os franceses respondem por mais de 30% do faturamento do setor?, diz Nélson Barrizeli, especialista em varejo.

Na área de cinema, o golpe desferido pelas multinacionais foi igualmente poderoso. O conceito multiplex, composto por até oito salas de exibição, chegou ao Brasil em meados de 1997 pelas mãos da Cinemark. O segmento passava por grandes transformações. Os cinemas de rua estavam se convertendo em igrejas evangélicas e o público havia migrado para as salas instaladas em shopping centers. Como o mercado era dividido entre poucos exibidores de grande porte e uma dúzia de médio e pequeno portes, não foi difícil para a Cinemark se impor. Em 2001, a empresa registrou vendas de R$ 155 milhões, em suas 265 salas de exibição. ?Não entramos em nenhum mercado para ser coadjuvantes?, afirma Valmir Fernandes, gerente-geral da Cinemark no Brasil.