28/05/2015 - 18:00
Economia encolhendo. Inflação disparando. Dólar imprevisível. Bolsa ciclotímica. Imóveis sem valor definido. Pode escolher: não faltam motivos para tornar difícil a vida do investidor brasileiro nos últimos meses. Excetuando-se alternativas que gozam de isenção fiscal, como Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), e alguns títulos de longo prazo corrigidos por índices de preços, poucas opções têm permitido ao investidor aumentar seu patrimônio em termos reais. Por isso, quem dispõe de muito capital e boa orientação financeira tem colocado seus recursos no exterior, alternativa que ficará facilitada a partir do dia primeiro de julho.
Nessa data vão entrar em vigor novas normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a chamada Instrução 555, promulgada em dezembro de 2014, que vai facilitar as aplicações externas via fundos de investimentos, especialmente os multimercados. Atualmente, os fundos locais que aplicam mais de 67% do patrimônio em ativos listados fora do Brasil precisam, por lei, exigir uma aplicação mínima de R$ 1 milhão. A intenção é criar, deliberadamente, dificuldades no acesso a essas aplicações. Na interpretação da CVM, um investimento mínimo elevado impede que fundos com ativos pouco conhecidos sejam vendidos no varejo.
Isso torna menos provável que eles sejam escolhidos por cotistas sem condições de entender plenamente o que estão fazendo. “Presume-se que quem tem R$ 1 milhão para aplicar tem capacidade de avaliar os riscos ou, pelo menos, de obter orientação profissional para investir”, diz Leonardo Pereira, presidente da CVM. A nova instrução torna essa regra mais flexível. Os valores de entrada nos fundos poderão ser definidos pelo gestor, e tendem a cair. “O cliente ainda precisa provar que tem R$ 1 milhão, mas se quiser experimentar um fundo com ativos internacionais, ele vai poder fazer isso com R$ 10 mil”, diz Carlos Takahashi, presidente da BB DTVM.
“Isso permitirá que mais pessoas possam atuar no mercado global.” A simples comparação de dois números justifica gastar alguns minutos avaliando essas estratégias. Em 12 meses, até a quinta-feira 21, o Índice Bovespa avançou 5,6%, ao passo que o americano Standard & Poor’s de 500 ações subiu 12,4%. As razões vão além do mercado financeiro. Os prognósticos para a economia americana são de um crescimento de 2,9% em 2015. Já no Brasil, as estimativas do mercado começaram o ano prevendo um crescimento de 0,5%, mas agora já se admite uma retração que pode superar 1,5%.
Por si só, essa expectativa já desaconselha aplicar em ações. E com os fundos não tem sido diferente. As incertezas sobre a economia têm dado trabalho aos gestores, especialmente os dos multimercados, que procuram ganhar dinheiro aplicando em diferentes tipos de ativos. “O desempenho desses fundos têm sido, em grande parte, definido pela capacidade de o gestor antecipar a movimentação do câmbio”, diz Habib Nascif Neto, diretor comercial da empresa de distribuição de produtos financeiros carioca Órama Investimentos. E mesmo isso está cada vez mais difícil.
“O câmbio tem apresentado uma volatilidade absurda, está sem uma tendência definida, o mercado está sem sentido”, diz Nascif. Os números do segmento comprovam essa tese. Nos 12 meses findos em 30 de abril, a rentabilidade média dos 388 fundos multimercados abertos à captação foi de 11,12%. Já os 14 fundos que têm um percentual de seus recursos no mercado externo renderam, em média, 16,15%. Ainda é um clube com poucos sócios, e pouco dinheiro. O total de ativos não brasileiros nas carteira desses fundos era de R$ 2,9 bilhões no fim de abril, ou menos de 3% do total.
“Com a nova regulação, será possível oferecer produtos mais adequados ao perfil do investidor”, diz Denise Pavarina, presidente da Anbima, associação que representa o setor. Essa facilidade, porém, pode demorar um pouco para chegar. Na terça-feira 19, a Anbima solicitou à CVM que a data de entrada em vigor fosse postergada por três meses, devido a um conflito com legislação vigente da Receita Federal. “Vamos avaliar o pedido”, diz Pereira. Com fundos mais acessíveis, será possível investir no exterior usando reais, sem ter de se preocupar com a remessa de dólares e as bizantinas prestações de contas à Receita Federal.
Os fundos multimercados são aplicações brasileiras, mais simples e compreensíveis. Há poucos investimentos comparáveis a eles. Um deles são os Brazilian Depositary Receipts (BDR), recibos de ações de empresas internacionais negociados na BM&FBovespa. Atualmente, há 63 empresas listadas na bolsa, com nomes famosos como Coca-Cola, Nike ou Google, mas a liquidez desses papéis é baixa e a aplicação mínima oscila entre R$ 1.164 e R$ 170 mil. Outra alternativa são os fundos de BDR, também restritos: há apenas 14 produtos desse tipo disponíveis para investimentos.
Isoladamente, a maior facilidade não justifica uma aplicação no exterior. “O investidor tem de avaliar se essa estratégia faz sentido pensando em todos os recursos que possui”, diz o especialista em private bank Celso Portásio, sócio da consultoria paulista RGF & Associados. Portásio faz uma ressalva. “Muito mais do que permitir uma diversificação de ativos, investimentos desse tipo têm de ser pensados como uma maneira de reduzir a exposição do patrimônio do investidor aos solavancos da economia brasileira”, afirma.