Os habitantes de Grays, uma cidade 30 km ao leste de Londres, votaram em peso a favor do Brexit. Mas três anos depois da saída britânica da União Europeia (UE), com o país em uma profunda crise social, alguns admitem o arrependimento.

“Votei pelo Brexit, mas me arrependo”, declarou Maria Yvars, psicoterapeuta de 42 anos, que sente ter sido enganada pelos políticos. “Eles não apresentaram todos os fatos… eles nos contaram coisas que não eram verdadeiras”, lamenta.

“Agora este país é como um navio sem capitão”, completa. Em 2022, o país teve três chefes de Governo.

Na circunscrição de Thurrock, onde Grays é a maior cidade, com quase 75.000 habitantes, 72,3% dos eleitores votaram a favor do Brexit no referendo de 2016. Este foi o quarto maior índice de votos a favor da saída da UE das 382 áreas devotação do país.

O político eurocético e populista Nigel Farage escolheu Thurrock para divulgar seu manifesto antieuropeu em abril de 2015.

Esta é uma antiga zona industrial no estuário do Tamisa que atraiu muitos emigrantes do leste da Europa. A circunscrição inclui a cidade de Tilbury, um dos principais portos de contêineres do país.

Em 2017, os partidários do Brexit na localidade entrevistados pela AFP não expressavam nenhum remorso.

Mas a região sofre há vários anos e a atual crise, com uma inflação superior a 10%, agrava o cenário: após uma série de investimentos desastrosos, o conselho municipal de Thurrock se declarou em falência em dezembro.

– Cansaço –

“Sim, votei pelo Brexit e gostaria de não ter votado”, disse uma mulher de 50 anos, que preferiu não revelar o nome.

“Olhe para o país, é um desastre, não é?”, acrescentou. Ela afirma que a maioria de seus amigos se arrepende de ter votado no Brexit.

Yvars também afirma que muitas pessoas que defendiam o Brexit agora estão “envergonhadas”.

Uma pesquisa do instituto YouGov publicada em novembro mostrou que o apoio à saída da UE nunca foi tão pequeno. Menos de um terço dos britânicos pensa que foi uma boa decisão. Um em cada cinco eleitores do Brexit mudou de opinião.

Em Grays, a maioria dos moradores que a AFP tentou entrevistar se afastava ao ouvir a palavra “Brexit”, talvez por cansaço. “Não estou interessado”, responderam os mais educados.

“O que os partidários do Brexit esperavam?”, questiona uma funcionária do NHS – o sistema público de saúde que está sob enorme pressão após anos de austeridade -, que votou a favor da permanência no bloco europeu. “Perdemos o financiamento da UE”, destaca.

Salvar o NHS foi uma das promessas do Brexit. “Enviamos para a UE 350 milhões de libras por semana. Em vez disso, vamos financiar o NHS”, afirmavam as mensagens de campanha pró-Brexit em 2016.

Mas atualmente o sistema de saúde enfrenta grandes dificuldades e as enfermeiras iniciaram em dezembro uma greve nacional sem precedentes no país.

– Situação “terrível” –

Nem todos, no entanto, se arrependem da escolha.

Elaine Read, 73 anos, que trabalhou no setor financeiro em Londres, afirma que “provavelmente votaria novamente no Brexit”.

“Votei contra a adesão à Comunidade Econômica Europeia em 1975”, afirma. “Somos uma ilha, somos isolacionistas. Senti que não estávamos mais no controle. Muitas leis foram revogadas por Bruxelas”, acrescenta.

Com a pandemia de covid-19 e a guerra da Ucrânia, “não chegamos a observar os benefícios” de abandonar a UE, afirma, convencida de que a atual “crise do custo de vida não é provocada pelo Brexit”.

O Reino Unido é o único país do G7 que não retornou ao nível do Produto Interno Bruto (PIB) pré-pandemia. A agência estatal de previsão orçamentária OBR calcula que o Brexit reduzirá o tamanho da economia britânica em 4% a longo prazo.

Ray Yates, estivador jubilado de 70 anos, reconhece que a situação em Thurrock é “terrível”, mas continua acreditando no Brexit. “Eu continuo apoiando o Brexit, mas vai levar tempo. Pelo menos 10 anos e um novo governo”, considera.