O Grande Prêmio da Itália é a etapa mais importante do calendário da Fórmula 1 para a Ferrari. A corrida no circuito de Monza se dá, praticamente, no quintal de sua casa – a sede da montadora, em Maranello, fica a menos de 300 quilômetros de distância. As arquibancadas ficam preenchidas de vermelho e o grito dos torcedores italianos, juram os mais apaixonados, é capaz de acrescentar alguns cavalos de potência ao motor dos carros que levam as cores do cavalinho rampante. Neste ano, essa força extra era mais do que necessária.

A Ferrari ainda não venceu nenhuma corrida em 2014 e vive uma de suas piores crises internas, que já provocara a demissão do chefe da equipe Stefano Domenicali, em abril. Desde 2010, a equipe não vence em casa. Apenas o lugar mais alto do pódio e o sabor marcante do champanhe entregue ao vencedor poderiam acabar com esse péssimo histórico. Luca di Montezemolo, 67 anos, que há 23 comanda a equipe, era o principal interessado nesse desfecho. Ele chegou ao circuito no auge do desentendimento com Sergio Marchionne, 62 anos, CEO da Fiat Chrysler, que detém 90% das ações da Ferrari.

Mas o resultado foi desastroso, com o pior desempenho da equipe desde 2005: um modesto 9º lugar do finlandês Kimi Raikkonen e o abandono do espanhol Fernando Alonso. “Vencer é tão importante para a Ferrari como os resultados financeiros”, disse Marchionne, ao deixar o circuito de Monza. As palavras de Marchionne praticamente decretaram o destino de Montezemolo. Na quarta-feira 10, os dois executivos estavam reunidos no Museu de Maranello para anunciar o fim da Era Montezemolo na montadora. A decisão, por mais passional que pareça, foi tomada por um sujeito que coloca a racionalidade dos negócios acima de tudo.

Os números revelam essa importância. A parceria entre eles levou a Ferrari a um alto nível de desenvolvimento tecnológico e uma excelência organizacional que se refletiu nos resultados financeiros. Nos últimos dez anos, o lucro operacional triplicou, enquanto a produção de carros aumentou menos de 30%, para manter a exclusividade da marca. O problema é que nesse período as vitórias nas pistas minguaram. O último título mundial de Fórmula 1 foi conquistado há seis anos. Em 2014, os motores Ferrari estão tão fracos que não chamam a atenção dos mais fanáticos admiradores.

E Marchionne precisa vencer nas pistas de corrida para vender o sonho dos carros de rua – a continuidade do período de escassez de vitórias poderia comprometer o desempenho futuro nas vendas. A diferença entre os dois comandantes vinha aumentando desde 2011, quando Montezemolo acreditava ser possível levar a Ferrari à bolsa de valores. A ideia foi descartada por Marchionne, que não via necessidade de retirar a marca de carros de luxo do portfólio do Grupo. Para o CEO da Fiat, mais importante seria estabelecer um novo teto de produção anual de Ferraris.

Em sua visão, seria possível acompanhar o crescimento médio anual de 15% de milionários no mundo e aumentar de sete mil para dez mil o total de carros produzidos. O presidente da Ferrari ignorou a sugestão. O último conflito aconteceu nas pistas. Montezemolo, um crítico do atual modelo sustentável da Fórmula 1, que exige custos controlados, ameaçou abandonar a competição e se concentrar em corridas de endurance, como as 24 Horas de Le Mans. Marchionne foi enfático ao dizer que era impensável a Ferrari sair da Fórmula 1.

A saída oficial de Montezemolo, que levará uma bolada de € 27 milhões para casa, ocorrerá em 13 de outubro, quando a Ferrari celebra 60 anos de operações nos Estados Unidos, seu maior mercado. Com ele, cai, praticamente, o último símbolo da era Enzo Ferrari, o fundador da fábrica de bólidos, no grupo Fiat. O presidente da marca foi criado na velha escola dos amantes do automobilismo, onde o orçamento não sofria limitações para desenvolver o melhor carro.

Quando foi contratado para ser advogado da equipe, em 1973, pelo próprio fundador da Scuderia, Montezemolo chamou a atenção do comendador justamente por sua paixão pelas corridas. Quando assumiu a presidência, em 1991, colocou tudo o que aprendeu com Ferrari, que morrera três anos antes, para iniciar uma transformação. Contratou os melhores profissionais de cada área, como o piloto Michael Schuma­cher, o projetista Ross Brawn, e o diretor Jean Todt para recolocar a equipe no caminho das conquistas. O auge veio com os cinco títulos de Schumacher, entre 2000 e 2004. Eram tempos em que as vitórias não tinham preço. Mas eles mudaram, só Montezemolo não se deu conta. Arrivederci, Luca.