15/05/2002 - 7:00
Nos anos 40, o pintor Di Cavalcanti presenteou seu velho amigo Jorge Amado com uma de suas obras-primas. A figura da mulata com lábios carnudos e seios fartos permaneceu durante cerca de cinco décadas na casa da família Amado, em Salvador. Há dez anos, a pintura foi comprada num leilão. Hoje, está no 12o andar do edifício sede da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ). A mulata de Di Cavalcanti faz parte da coleção de obras de arte que a Bolsa acumulou em seus 152 anos de história. No mês passado, a Bolsa do Rio foi vendida para a BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros), numa negociação voltada exclusivamente para questões financeiras. Sem saber, a BM&F acabou levando para casa um importante acervo artístico.
O lote com 188 quadros e inúmeras esculturas está lançado no balanço por R$ 1,7 milhão. Esse valor foi apurado há alguns anos pela Bolsa de Arte do Rio de Janeiro, instituição habilitada a fazer avaliações de obras de arte, e está desatualizado. ?O preço de mercado das obras é maior?, diz Sérgio Berardi, presidente da BVRJ. Além das obras de arte, o acervo inclui documentos raros. Entre eles, o Decreto Imperial nº 417, de 14 de junho de 1845, no qual Dom Pedro II criou a Bolsa carioca, marco da economia nacional.
Para os especialistas em arte, dois quadros de Di Cavalcanti chamam atenção. Um deles é ?Mulher do Interior?. Pelas contas da Bolsa de Arte do Rio, o retrato vale hoje R$ 600 mil. A coleção inclui telas de José Pancetti, famoso por retratar imagens marinhas. Um de seus quadros, ?Musa da Paz?, pode render até R$ 400 mil ? anos atrás, a Bolsa de Arte estimou seu valor em R$ 250 mil. No acervo carioca, encontra-se também quadros do pintor japonês naturalizado brasileiro Manabu Mabe. Além de ser conhecido por sua obra, Mabe ficou famoso ao pedir para o presidente Fernando Henrique retirar uma de suas pinturas do gabinete do Palácio do Planalto.
No lote existem litografias de J.B. Debret, pintor francês trazido ao Brasil por D. João VI. Entre as obras de Debret, estão a ?Aclamação de Dom Pedro II no Rio de Janeiro?, de 1851, e ?Corte do Batismo da Princesa Real dona Maria da Glória?. Nova dona do tesouro, a BM&F, de São Paulo, ainda não decidiu qual será o futuro endereço dessas obras.
?Elas têm a ver com a história do Rio. É justo que fiquem aqui?, argumenta Berardi. Atrás da mesa que ocupa, ele tem um quadro de Hugo Calgan, que retrata a Praça XV no ano de 1870. Outro quadro que os operadores do Rio gostariam que ficasse por lá é ?Corbeille?, que mostra a tradicional roda de negociação de ações que marcou a Bolsa até a chegada do padrão eletrônico. ? Os operadores mais velhos se reconhecem na pintura e choram?, conta Barardi, com um tom saudosista na voz, deixando escapar o sentimento que tomou conta da Bolsa carioca. Manoel Félix Cintra, presidente da BM&F, diz que não há motivos para tristeza. ?É bem provável que o acervo continue no Rio. Mas esse é um assunto que será definido pelo conselho curador de arte da BM&F?, diz.