Paredes brancas, quadros com lindas molduras e a exclusividade de apreciação da arte e do artista apenas no imaculado museu é uma ideia que tem ficado ultrapassada. Ainda mais considerando a onda de exposições que se propõem imersivas, extrapolando o conceito tradicional de consumo de arte. Nelas, o silêncio do museu é substituído por trilhas sonoras e o físico dá espaço para o digital. As obras não estão presentes, apenas suas versões digitalizadas, que ganham novo tamanho e forma de apreciação com o uso da tecnologia. A ideia é fazer com que o visitante entre em um universo expandido, subvertendo valores tradicionais do que é válido como exposição artística. O formato cresce conforme o sucesso comercial, e nomes consagrados das artes plásticas ganham sua vez no show de luzes e experimentações.

A exposição brasileira Mira (Museu Itinerante de Artes Imersivas) estreou neste universo com Monet à Beira d’Água, em cartaz no Rio de Janeiro entre março e junho, garantindo 90% de ocupação. Em outubro, chegará a São Paulo, dando vida às obras do artista, adicionando movimento ao que antes eram pinturas estáticas. O diretor executivo da exposição, Leo Rea Lé, disse que é possível você criar novas formas de linguagem, de sentir a arte. “Você sempre pode conseguir criar formas e experiências com a arte de forma diferente de qualquer tradição.”

É difícil precisar um nascimento exato para a tendência, mas o mais provável seria o ano de 2018, em Paris, terra do Louvre e do Museu d’Orsay, que ganhou o L’atelier Lumières, hoje uma referência em exposições imersivas. O espaço apresenta mostra de Cézanne, Kandinsky, Klimt e Van Gogh e ajudou a popularizar o movimento mundo afora. Inspirado nele, em 2019, São Paulo ganhou o MIS Experience, espaço do Museu da Imagem e do Som (MIS) dedicado para exposições do tipo. Com 2 mil m2, ele estreou com uma mostra sobre o Leonardo Da Vinci, atraindo mais de 500 mil pessoas. Em sua segunda exposição, o MIS Experience contou mais sobre a vida e obra de Portinari, vista por 250 mil pessoas.

A ideia do MIS, além da experiência imersiva, é agregar ambientes de aprendizado, com interatividade, em uma proposta de valor que busca ser mais profunda que o entretenimento. De acordo com o diretor geral da instituição, Marcos Mendonça, essas exposições têm como mérito a possibilidade de tornar mais acessível algumas obras, permitindo que mais pessoas conheçam a Monalisa, por exemplo, ou os murais de Portinari. Mas não apenas. Elas também criam um espaço de interação mais complexo. “A exposição imersiva permite que você possa mostrar para o público a variedade de técnicas e de fases daquele artista, o que muitas vezes em uma exposição usual você não consegue”, disse.

A proliferação delas pode ser explicada por questões técnicas, uma vez que o formato digital permite a replicação da mostra em qualquer lugar com menos burocracia e cuidados logísticos que o intercâmbio de obras físicas entre museus. Por questões comerciais, já que elas mostram seu poder em atrair público e patrocínio, e por questões comportamentais. Na visão da historiadora da arte Priscila Sacchettin, entram nessa conta a acessibilidade para o grande público, sem o julgamento que ambientes formais de arte acabam imprimindo, além do consumo dinâmico de informação.Extrapolando totalmente as paredes do museu, as imersivas também chegaram a shopping centers ou espaços não comumente ocupados pela arte tradicional. No programa, nomes tradicionais da arte, garantindo o apelo do público e uma presença massiva. Essas exposições não são feitas para contemplação. Com tempos médios de visita estipulado e caminhos específicos a serem seguidos, elas têm no dinamismo um trunfo. As imagens estão sempre em movimento e os gatilhos de atenção vêm de todos os lados. Seja na música, na exposição de luzes ou na própria animação projetada. “Elas compartilham a mesma lógica das redes sociais”, disse Priscila. “É um consumo veloz das imagens que estão sendo oferecidas e que tem alguma coisa de espetáculo.”

São as redes sociais também que garantem parte do sucesso dessas exposições. Com ambientes instagramáveis, a própria construção lúdica favorece o uso para as redes. Sem pretensão de irem embora, as imersivas se apoiam na esperança de aproximar a arte do público ao mesmo tempo que ganham sucesso comercial, com sessões cheias e patrocínio. Por outro lado, pelo menos para uma classe artística mais conservadora, têm o desafio — aceito ou não — de mostrar seu potencial além do puro entretenimento.